Como ser jornalista e descrever com precisão o conflito entre israelenses e palestinos, um dos campos mais polarizados do mundo? Essa foi a questão que ocupou os debates no Palácio do Itamaraty, hoje (28), na ocasião do Seminário Internacional de Mídia sobre a Paz no Oriente Médio – Promovendo o Diálogo Palestino-Israelense, uma Visão Sul-Americana, evento da ONU (Organização das Nações Unidas), com a colaboração do governo brasileiro.
Diversos jornalistas israelenses e palestinos se queixam da impossibilidade de circular livremente para apurar as notícias. Felice Friedon, presidente do Media Line News Agency, recordou que a imprensa internacional foi proibida de entrar na Faixa de Gaza durante os ataques do Exército israelense, no final do ano passado e começo de 2009. “Foi uma guerra coberta por telefone, sem possibilidade de saber exatamente o que estava acontecendo”.
Além disso, os jornalistas palestinos que moram na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia não conseguem descrever com exatidão a sociedade israelense, já que não têm o direito de deixar os territórios ocupados.
A jornalista palestina Helda Ereqat, da Ma’na News Agency, acrescentou que, apesar de morar em Jerusalém, nunca teve autorização para entrar no Parlamento israelense. Tampouco pôde descrever a situação em Gaza, pois não tem direito a entrar na zona.
Erros da mídia
Para Andrew Withley, diretor da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos) em Nova York, “existem bons jornalistas mas, de maneira geral, a mídia está perpetuando os piores preconceitos junto aos leitores”.
Ele lembra que a grande maioria da imprensa israelense apresenta sistematicamente o Hamas como uma organização terrorista, e nunca como o partido que foi eleito democraticamente durante as últimas eleições na Faixa de Gaza.
Da mesma maneira, a ANP (Autoridade Nacional Palestina) é descrita como fraca, incompetente e corrupta. Do outro lado, os jornais árabes costumam associar sempre o estado de Israel com um expansionismo cruel. “Esta postura contribui para tirar toda a legitimidade dos adversários, e provoca uma perda de confiança por parte dos povos”, comenta Withley.
Esta cegueira está cada vez mais presente na imprensa israelense, de acordo com Gidon Levy, um dos mais famosos colunistas do país – ele escreve no jornal Haaretz –, e também um dos mais polêmicos, por sua defesa pelo fim da ocupação. “A mídia israelense demoniza os palestinos, e os desumaniza”, critica. Ele lembra que no sábado anterior ao começo dos bombardeios contra a Faixa de Gaza, em dezembro passado, 65 palestinos foram mortos. “A notícia estava enterrada nas páginas dos jornais. A mensagem é muito clara: vida de palestino não vale nada”.
Para ele, o público israelense vive uma situação paradoxal: “o mundo inteiro lê relatórios sobre o cotidiano nos territórios ocupados, salvo aqui, em Israel. Estamos à meia hora da Faixa de Gaza e não buscamos saber nada do que está acontecendo. Vamos jantar e falamos de tudo, esquecendo a situação nos territórios”, diz Levy. Segundo ele, esta situação é o resultado de uma autocensura, muito mais que de uma pressão política.
Para muitos israelenses, a postura do colunista é vista como antipatriótica e excessivamente crítica em relação ao governo israelense e ao Exército. “Isso alimenta uma visão negativa de Israel. Não é verdade que Israel é o único responsável nesse conflito”, diz Yaakov Achimeir, do canal 1 da televisão israelense.
Cobertura latino-americana
Renata Malkes, correspondente do jornal carioca O Globo, também já recebeu este tipo de crítica. “As pessoas buscam equilíbrio num conflito que não é equilibrado nem proporcional. Não é uma guerra clássica com dois exércitos”, frisa a jornalista, que mora em Jerusalém há sete anos.
Para ela, os leitores são cada vez menos tolerantes por causa das novas tecnologias, como blogs, Twitter, Facebook etc. “O leitor hoje se sente poderoso, pode escolher ler somente as opiniões de que gosta, e também escrever o que acha. A diferença dele para o jornalista profissional é que ele não tem a obrigação de apurar os fatos, verificar as fontes”.
Para jornalistas como Renata, que escrevem para mídia brasileira e sul-americana, a dificuldade é ainda maior. “Temos que explicar até os elementos básicos, contextualizar muito bem, porque é um conflito distante e até exótico. Para a imprensa escrita, é um desafio grande, já que temos cada vez menos espaço para análise”, diz.
Ela acha, porém, que a situação mudou de maneira positiva desde os atentados de 11 de Setembro. “A mídia brasileira acordou para o Oriente Médio, e começou a mandar correspondentes. Nunca se viu tantos jornalistas brasileiros acompanhando o dia a dia de palestinos e israelenses”, declara. Isso permite a opinião latino-americana depender menos das agências internacionais e da imprensa norte-americana, conclui.
* Texto e foto
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