O presidente da Argentina, Javier Milei, usou seu perfil na rede social X, antigo Twitter, na última sexta-feira (14/02) para divulgar a $LIBRA, projeto de criptomoeda que prometia “incentivar o crescimento da economia argentina financiando pequenas empresas e empreendimentos argentinos”, o “Viva La Libertad Project” (Projeto Viva a Liberdade, em tradução livre). O nome do projeto faz referência ao slogan de campanha de Milei e do próprio governo, “Viva La Libertad, Carajo” (“Viva a Liberdade, Caralho”).
O tuíte de Milei, que tem 3,8 milhões de seguidores no X, ficou no ar por cinco horas e levou à alta do valor dos tokens, que desabaram minutos depois, causando perdas significativas para quem seguiu o conselho do mandatário. A movimentação gerou a suspeita de que a ação favoreceu um esquema de pirâmide organizado por aliados de Milei que detinham a criptomoeda, gerando forte repercussão política.
Um dos principais jornais da Argentina, o Pagina12, explicou que o movimento financeiro ocorreu após carteiras virtuais de investimentos que obtiveram a criptomoeda “a um preço ridículo” venderem os tokens quando o valor subiu, alcançaram lucros entre US$ 70 milhões (cerca de R$ 400 milhões) e US$ 100 milhões (cerca de R$ 570 milhões) em “poucas horas”.
O periódico classificou o caso como um “escândalo” e um “golpe multimilionário” que “atingiu o coração do governo libertário e desencadeou uma crise sem precedentes”.
Segundo a revista The Kobeissi Letter, citada pela agência de notícias alemã Deutsche Welle, “quase 80% do ativo $LIBRA estava nas mãos de apenas alguns poucos investidores antes do apoio de Milei”.
Na análise do especialista em informática e influenciador digital dedicado a expor esquemas de pirâmide Javier Smaldone, o caso de Milei é um movimento conhecido como “tapete puxado”, em que uma criptomoeda ou investimento é criado, depois uma campanha publicitária é iniciada de modo que os compradores do ativo lucrem, e o final do processo ocorre quando os que “administram a liquidez retiram o dinheiro e a coisa entra em colapso”.
Impeachment contra Milei?
“Milei não só virou alvo de críticas de milhares de usuários ao redor do mundo, como também terá que enfrentar uma série de consequências que vão desde a deterioração de sua imagem até reclamações judiciais em âmbito nacional e internacional, incluindo pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados”, escreveu o colunista Sebastian Abrevaya no Pagina12.
Abrevaya refere-se ao pedido de impeachment contra Milei solicitado pela oposição, o bloco parlamentar da União pela Pátria (UxP), após a publicação no X sobre a criptomoeda.
“A participação de Milei em um crime relacionado à fraude de criptomoeda é extremamente séria. Este é um escândalo sem precedentes”, disse o partido em um comunicado.
La participación de Milei en un delito de estafa cripto es de enorme gravedad. Es un escándalo sin precedentes.
Nuestro bloque de diputados Nacionales decidió avanzar en la presentación de un pedido de Juicio Político contra el Presidente de la Nación.
— Diputados UP (@Diputados_UxP) February 15, 2025
O deputado pela província de Santa Fé Esteban Paulon anunciou que na próxima segunda-feira (17/02) apresentará o pedido de impeachment contra Milei.

Pagina12 classificou caso como “escândalo” sobre “golpe multimilionário” que “atingiu o coração do governo libertário e desencadeou uma crise sem precedentes”
A ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) também se referiu ao escândalo: “nunca antes na história algo assim foi visto”, afirmou em suas redes sociais. “Milhares confiaram em você, compraram a preços altos e em questão de horas perderam milhões, enquanto alguns (aposto que eram todos libertários) fizeram fortunas com informações privilegiadas”, acrescentou, dirigindo-se a Milei.
Esta vez el Che Milei no va porque, la verdad, NUNCA EN LA HISTORIA SE VIO ALGO SEMEJANTE.
De Hayek pasaste a Ponzi y te fuiste al pasto MAL.
Desde tu cuenta oficial de X promocionaste una criptomoneda privada, creada vaya a saber por quién.
Inflaste su valor aprovechándote de…
— Cristina Kirchner (@CFKArgentina) February 15, 2025
Investigação aberta pelo próprio governo Milei
Após a polêmica, Milei afirmou que não tinha “nenhuma ligação” com o projeto e que fez a promoção sem ser informado dos detalhes sobre a criptomoeda.
“Aos ratos imundos da casta política que querem se aproveitar dessa situação para fazer mal, quero dizer que a cada dia eles confirmam o quão vis os políticos são, e aumentam nossa convicção de dar um chute na bunda deles. VLLC! [Viva La Libertad, carajo]”, disse ainda o mandatário.
Segundo o Pagina12, no entanto, Milei encontrou-se, nos últimos meses, com os responsáveis pelas duas empresas ligadas à operação com a criptomoeda: a KIP Network Inc e a Kelsier Ventures. Em uma das reuniões, Milei teria sido “aconselhando sobre o impacto e as aplicações da tecnologia blockchain e da inteligência artificial no país”.
La Oficina del Presidente informa que el pasado 19 de octubre el Presidente Javier Milei mantuvo un encuentro con los representantes de KIP Protocol en Argentina en el que se le comentó la intención de la empresa de desarrollar un proyecto llamado “Viva la Libertad” para…
— Oficina del Presidente (@OPRArgentina) February 16, 2025
O governo argentino divulgou nota em que reconhece a reunião de Milei com os empresários envolvidos na criptomoeda, e que o político divulgou a iniciativa “como faz diariamente com muitos empreendedores que desejam lançar um projeto na Argentina para criar empregos e obter investimentos”. A nota diz ainda que, “não tendo se envolvido em nenhum dos desenvolvimentos da criptomoeda, após a repercussão que o lançamento do projeto teve e para evitar qualquer especulação e não lhe dar maior divulgação, decidiu apagar a publicação”.
O governo ainda afirmou que Milei decidiu criar uma Unidade de Tarefa de Investigação (UTI) “composta por representantes dos órgãos e organizações com poderes relacionados a criptoativos, atividades financeiras, lavagem de dinheiro e outras áreas relacionadas” para “iniciar uma investigação urgente sobre o lançamento da criptomoeda $LIBRA e todas as empresas ou pessoas envolvidas em tal operação”.
(*) Com Sputnik, TeleSUR e informações da Deutsche Welle e Pagina12