O governo da Argentina aboliu nesta quarta-feira (14/08) a Unidade Especial da Investigação (UEI), que faz parte do órgão governamental da Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (Conadi), destinada a investigar a apropriação e sequestro de crianças durante a ditadura militar, entre 1976 e 1983. Nesse sentido, a entidade não poderá mais aceder aos arquivos do Estado e contribuir com a busca que as Avós da Praça de Maio realizam há 47 anos.
A decisão se deu mediante decreto assinado pelo presidente argentino de extrema direita, Javier Milei, e pelo ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona.
A Conadi é uma agência do Poder Executivo que foi moldada por meio de diversos esforços governamentais. Ela foi criada em 1992 para cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, sendo assim encarregada de colaborar especialmente com as Avós da Praça de Maio na busca de seus netos e netas. Cerca de 500 bebês foram roubados durante o que as organizações de direitos humanos definem como “terrorismo de Estado”.
A UEI foi criada posteriormente, em 2004, compondo um braço da Conadi. Com a unidade especial, abriu-se a possibilidade de acessar todos os arquivos mantidos pelo Estado para encontrar bebês apropriados.
Para o fechamento da UEI, o governo argentino argumentou que o trabalho de investigação não faz parte da competência do Poder Executivo, mas sim do Ministério Público (MPF). De acordo com a autoridade, trata-se de uma violação na divisão dos poderes.
“Não se pode legitimar que um órgão instituído por decreto exerça funções que o texto constitucional e, de acordo com ele, o legislador atribui a órgãos específicos do Estado nacional no quadro do desenho institucional definido pela Lei Fundamental”, sustenta o decreto 727/2024.
No entanto, durante 20 anos, nunca houve denúncias de juízes, promotores ou defensores contra as operações da agência. Em comunicado, as Avós da Praça de Maio rebateram a justificativa fornecida pelo governo.
“É falso que o trabalho da UEI se sobreponha ao do Poder Judiciário, já que durante todos esses anos trabalharam juntos e complementares para agilizar essa busca que já dura mais de 40 anos. O próprio Poder Judiciário, longe de ver uma interferência em sua tarefa, reconhece a contribuição dessas ferramentas, construídas como políticas públicas de democracia”, afirma a nota.
Ao portal argentino Página 12, Estela de Carlotto, presidente das Avós, considerou a decisão de Milei como “mais uma humilhação” aos direitos humanos.
O veículo também revelou que o atual governo tem articulado “há meses” um golpe contra a Conadi. Ela tem sido atacada em diversos momentos tanto por organizações que defendem figuras condenadas por crimes contra a humanidade, como também por políticos como a própria ministra da Segurança, Patricia Bullrich, que desqualificam o trabalho da entidade, acusando de militância.
À Página 12, a deputada portenha Victoria Montenegro, da coalizão União pela Pátria (UxP), uma das netas que restaurou sua identidade graças ao trabalho das Avós, afirmou que a medida do governo tem o objetivo claro de “preservar os perpetradores” e que é preciso de uma “reação imediata”.
Após a publicação do decreto de Milei, a UxP apresentou um projeto para restabelecer a UEI por lei. A iniciativa conta com as assinaturas de deputados, incluindo Cecilia Moreau, Germán Martínez, Paula Penacca, Máximo Kirchner e Gisela Marziotta, entre outros.