Quarta-feira, 14 de maio de 2025
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A presença de uma delegação da Venezuela é uma das novidades da 16ª Cúpula do BRICS, que teve início nesta terça-feira (22/10), na cidade russa de Kazan.

Um dos integrantes da comitiva venezuelana é o ministro da Comunicação do país, Freddy Ñáñez, que concedeu uma entrevista exclusiva a Opera Mundi.

Questionado sobre a possibilidade do Brasil não aceitar a adesão da Venezuela como futuro membro dos BRICS, o ministro venezuelano preferiu a saída diplomática, disse que seu país também faz parte do Sul Global e que todos os membros do grupo são irmãos. “Sempre apostamos em mecanismos de unidade e integração latino-americana, bem como o nascimento de um mundo multipolar”, disse.

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Ñáñez enfatizou a importância do ingresso da Venezuela no BRICS e fez questão de citar os discursos de Hugo Chávez em conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), no qual o iniciador da Revolução Bolivariana defendia a “construção de um novo mundo”.

“Para nós, o BRICS representa as relações de humanidade com apreço entre as nações que buscam a flexibilidade da cooperação econômica, a pluralidade política e o respeito mútuo”, frisou.

Ele afirmou ainda que Nicolás Maduro considera os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, os dois dos maiores irmãos da Venezuela, por terem coragem de representar os seus povos através da preservação da memória histórica. “Nós agradecemos o convite do presidente Putin à nossa delegação, pois as nossas relações com a Rússia são de admiração e respeito. Devemos ao povo russo a libertação do mundo do nazismo. Foram eles que sacrificaram suas vidas pela libertação do mundo, diferente daquilo que Hollywood tenta nos contar”.

Sobre o fato de o governo brasileiro e também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não reconhecerem a vitória de Nicolás Maduro nas últimas eleições venezuelanas, Freddy Ñáñez preferiu dizer que “nada será capaz de impedir a integração do povo latino-americano”, e que “essa união tem como fundamento principal a descolonização imposta pela Europa e pelos Estados Unidos”.

“Na política temos momentos bons, de crise e de encontros. Nós amamos o povo brasileiro e reconhecemos a sua luta, pois estamos seguindo no mesmo caminho para a libertação absoluta do sul, porque formamos juntos o sul global. A Venezuela estará sempre disposta a construir mecanismos para que um mundo multipolar seja possível, integrando, fortalecendo e compartilhando a nossa história e nossos recursos naturais”, completou.

A Venezuela é o país com as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Os dez países que compõem atualmente o BRICS possuem, juntos, mais de 40% de toda a extração mundial de petróleo, cifra que aumentaria enormemente caso a República Bolivariana fosse aceita no bloco.

Além disso, a cúpula de Kazan tem como um dos seus temas principais a criação de um sistema que permitiria a comercialização desses recursos naturais utilizando as moedas dos países membros, sem a utilização do dólar. Essa mudança poderia beneficiar a Venezuela, já que as sanções impostas ao país pelos Estados Unidos são estabelecidas através de um sistema de pagamentos internacionais baseado na moeda norte-americana.

Acordo com a TV BRICS

Em uma das reuniões na qual Freddy Ñáñez participou em Kazan, foi assinado um acordo de parceria entre a emissora estatal Venezuelana de Televisão (VTV) e a TV BRICS.

A celebração do contrato contou com a presença da CEO da TV BRICS, Zhanna Tolstikova, que também é cineasta. A parceria visa a troca de informações e a criação de conteúdos em conjunto através da estrutura oferecida pela TV BRICs à estatal venezuelana, que também contará com uma comunicação mais rápida com os profissionais dos outros países membros.

“Hoje tivemos o sonho de integrar a Venezuela nesta grande plataforma multinacional que é a TV BRICS. Seremos capazes de sustentar a voz dos povos do Sul Global para tornar a comunicação internacional mais democrática por meio de canais multilaterais que transmitam a nossa diversidade linguística e cultural. Essa é a melhor forma para que venezuelanos, russos, chineses e indianos evitem o preconceito da mídia”, disse o ministro.

Segundo Ñáñez, “o multiculturalismo e o respeito entre as nações que é proposto pelos BRICS significa a salvação da humanidade em todos os sentidos”.

“É por isso que para nós, todos os países BRICS são nossos irmãos. Queremos que esta cúpula contribua para o estabelecimento de um mundo multipolar”, completou.

Anteriormente, a TV BRICS havia lançado em seu site oficial uma versão em espanhol e uma filial de transmissão pela internet para noticiar, através dos seus correspondentes internacionais, os trabalhos dos países membros do bloco.

Em 2023, na 15ª Cúpula do BRICS – realizada em Johanesburgo, na África do Sul –, o presidente Nicolás Maduro já tinha enfatizado a importância em aprofundar as parcerias entre os principais meios de comunicação latino-americanos, como o canal TeleSUR e a TV BRICS da Venezuela.

A emissora VTV foi criada em 1964, sendo o único canal nacional do país a oferecer uma cobertura para mais de 82% do território nacional. Atualmente, a emissora conta com 24 horas de programação diária, sendo 75% dos seus programas transmitidos ao vivo em Caracas, sede principal do canal, além de uma rede com correspondentes espalhados em várias cidades do país.

Cúpula do BRICS
Freddy Ñáñez e Zhanna Tolstikova durante assinatura de acordo entre a TV BRICS e a emissora estatal venezuelana VTV

Confira trechos da entrevista com o ministro da Comunicação da Venezuela, Freddy Ñáñez:

Opera Mundi: Como avalia o posicionamento do Brasil em relação ao resultado das eleições na Venezuela?

Freddy Ñáñez: Na política temos momentos. Há momentos bons, de crise, de encontro, mas nada vai impedir a integração do povo, porque a união do povo latinomareicano se dá com uma longa história. Nós amamos o povo brasileiro e reconhecemos a sua luta, pois estamos no mesmo caminho, que tem como plano principal consolidar a libertação absoluta do sul, porque formamos juntos o Sul Global. Para a Venezuela o mais importante é que surja um mundo multipolar. Enquanto houver a possibilidade de construir mecanismos para que esse mundo multipolar seja possível, a Venezuela estará disposta a integrar, fortalecer e compartilhar a sua história, os seus recursos naturais e todo o potencial político e econômico que nós temos.

Acredita na narrativa de que o presidente Vladimir Putin está tentando construir uma união contra os países do Ocidente?

Creio que o que o presidente Putin está fazendo é construir um mundo mais livre, mais justo sem hegemonias, sem imperialismos e sem colonialismos. E é isso que todos os povos querem, ver os seus países livres em um mundo onde seja possível conviver e ter direito à autodeterminação, onde os países grandes não comam os países menores, mas os complementem. É a realidade mundial que necessitamos neste momento. Definitivamente, creio que um mundo maior que o Ocidente está nascendo.

A Venezuela busca ser um membro pleno nos BRICs ou apenas mais um parceiro seguindo outro formato de cooperação?

Os BRICS têm seus próprios processos e mecanismos que devem ser respeitados, entendidos e valorizados. Independentemente de quais sejam as categorias, a Venezuela já é um membro do Sul Global. Estamos dispostos em colaborar em qualquer cenário que seja com esse mundo novo que está surgindo. A Venezuela é uma potência petroleira energética que comporta o equilíbrio da humanidade e de parte do mundo. Temos uma longa história política e cultural para ser compartilhada. Por isso, para nós, o mais importante é que o BRICS se consolide, porque se isso acontecer, seremos capazes de criar o mundo multipolar que visamos. A Venezuela tem mais de 200 anos de luta. Se você buscar os documentos de [Simon] Bolívar, a missão sempre foi de integração da humanidade e do equilíbrio universal. É o que enxergava o comandante Chávez, que falou sobre isso nos fóruns internacionais pela construção de um mundo multicêntrico e plural. E é por essa unificação que Nicolás Maduro tem trabalhado desde o primeiro dia como conselheiro e agora como presidente.

Nosso trabalho a nível regional com a CELAC e com a Unasul visa sempre estabelecer relações de amizade, integração e união com as potências emergentes como a China, Rússia, Irã e Índia. Esses são países que têm demonstrado possibilidades em criar uma economia e um poder tecnológico sem que isso signifique formar um império ou um país expansionista ou colonialista. E essas são as relações que nos interessam, onde possamos contribuir de igual para igual. A Rússia é o maior país do mundo e trata seus parceiros com dignidade, respeito e igualdade.

E a China?

A China é a maior potência econômica do mundo e está construindo a rota da seda e o espaço de integração onde os países menores, médios e grandes importam. A Índia também tem uma política nesse sentido de abertura e integração. E os países do sul da África também têm demonstrado isso, são países que apostam em um mundo completamente diferente. O que vai acontecer nesse encontro de presidentes nesta Cúpula do BRICS é verdadeiramente importante porque nasce uma nova ordem mundial que já é iminente para um novo povo. Ela vai representar o equilíbrio e a possibilidade de resolver as diferenças e os problemas do mundo com harmonia, seja na política, na diplomacia ou no diálogo.

Como a nova ordem econômica do BRICS pode afetar a economia da Venezuela e da América Latina daqui para frente?

Eu creio que o BRICS representa uma alternativa para todos os países do mundo, mas, sobretudo, aos países que são injustamente bloqueados e sancionados pelo Ocidente. Há uma possibilidade de dialogar, negociar, e integrar com outras potências mundiais, que são potências que têm o mesmo valor, a mesma possibilidade de associação. Diferente do Ocidente, que não respeita e não nos trata como iguais, eles não têm a intenção de fazer ingerência política e muito menos desestabilizar o nosso país. Creio que a partir dessa Cúpula, a Europa, o Ocidente e os Estados Unidos serão confrontados para ajustarem e reformarem políticas com outros países do mundo. Já não vivemos no Século XVI, quando eles foram uma potência mundial que colonizaram o mundo. Hoje vivemos no Século XXI, onde o colonialismo não tem razão de ser, onde o imperialismo não é possível e onde a única alternativa de paz é reconhecer novas lideranças, novas polaridades, reconhecer que o mundo mudou e que deve seguir mudando nesse sentido da ordem mundial mais justa, respeitosa. Só existe paz perpétua se houver diversidade política e cultural, respeitando as nações do mundo.