* Atualizada dia 22/06, às 17h13
A possibilidade de um default (calote) técnico, que voltou ao centro das atenções na Argentina na semana de sua estreia na Copa do Mundo, mobilizou o país e intensificou o discurso de união e de soberania nacional do governo.
Fernando Sturla/Télam
Cristina Kirchner disse que a Argentina quer pagar credores, mas qualificou de “extorsão” a decisão de juiz da Suprema Corte dos EUA
Na terça-feira (17/06), a Suprema Corte dos EUA rejeitou a apelação argentina e manteve a sentença do juiz federal Thomas Griesa, de Nova York, que em fevereiro de 2012 determinou que a Argentina deveria pagar na íntegra a dívida e os juros acumulados com os fundos Aurelius Management e NML Capital, uma unidade da Elliott Management, do bilionário Paul Singer.
Os “fundos abutres”, como ficaram conhecidos, compraram títulos da dívida argentina a um valor nominal muito inferior ao que querem cobrar hoje. Em pronunciamento em cadeia nacional na noite de terça, Cristina Kirchner lembrou que o NML adquiriu bonos por US$48,7 milhões em 2008 e que a sentença de Griesa renderia ao fundo um lucro de 1.608%. Os fundos que reclamam o pagamento na justiça norte-americana não entraram nas negociações que Cristina abriu em 2010. Antes disso, o ex-presidente Néstor Kirchner havia reestruturado parte da dívida, em 2005.
Extorsão
Cristina lembrou também que os fundos beneficiados pela sentença no país norte-americano representam apenas 1% dos credores do país e que outros 92% renegociaram a dívida. A presidente declarou que a Argentina quer pagar esses credores, mas qualificou de “extorsão” a decisão de Griesa e disse estar preocupada. “Todo governante tem que ter disposição para negociar. Mas um presidente de uma nação soberana não pode estar disposto a submeter seu país, seu povo, a uma extorsão”, afirmou.
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Em paralelo à decisão da Suprema Corte norte-americana, a Câmara de Apelações do Segundo Circuito dos EUA suspendeu a medida cautelar que impedia a aplicação do pari passu, termo em latim que significa “igualdade de condições”. Na prática, a Argentina seria obrigada a pagar todos seus credores em condições similares, o que pode elevar a dívida em até US$15 bilhões, caso todos os credores exijam os benefícios dados ao NML e ao Aurelius. Diante disso, Cristina afirmou ser “impossível que um país destine mais de 50% das reservas de seu Banco Central para pagar credores.”
No próximo dia 30 de junho, a Argentina deve pagar, em Nova York, juros da dívida reestruturada. A ordem de Griesa é embargar esse pagamento para revertê-lo aos “fundos abutres”, o que prejudicaria o processo de reestruturação da dívida e poderia empurrar o país a um default técnico, já que Buenos Aires não tem condições de pagar a dívida integralmente e também não poderia honrar seus compromissos.
A estratégia argentina para reverter a situação de default técnico é tentar trazer para Buenos Aires o pagamento dos títulos dos fundos que renegociaram a dívida, o que seria feito sob legislação argentina e evitaria o alcance da sentença de Griesa sobre esse pagamento.
No final de seu pronunciamento, a presidente argentina afirmou que a sentença é um aval a “uma forma de dominação mundial financeira de derivados para deixar os povos de joelhos, onde sequer é necessário explorar alguém — excluir já é suficiente.” A presidente também afirmou que esse negócio prospera às custas “de sangue, de fome e de exclusão de milhares de jovens no mundo inteiro, que carecem de trabalho e educação.”
“Não passarão”
Apesar do permanente clima de embate, um possível default assusta também a oposição. Em um cenário político polarizado, acirrado pela antecipada disputa presidencial – que começa oficialmente em agosto de 2015 –, pré-candidatos, governo e diferentes blocos partidários se empenham em encontrar uma solução política para o novo desafio econômico que o país enfrenta. Com o mandato de Cristina próximo do fim – ela deixa o poder em dezembro de 2015 –, evitar uma nova quebra agora é fundamental para todos que almejam chegar à Casa Rosada.
Na sexta-feira (20/06), Cristina Kirchner participou de um ato pelo dia da bandeira na cidade de Rosario, província (estado) de Santa Fe. Ao lado do governador Antonio Bonfatti e da prefeita Monica Fein, ambos do Partido Socialista, opositor ao governo federal, Cristina voltou a falar de união.
“Antes do meu governo está o meu país, minha nação, minha pátria. Porque nossos filhos e netos (…) dependem de uma nação com soberania, dignidade, possibilidades de crescimento, educação, saúde, habitação”, disse a presidente. “Peço a todos que superem as bandeiras políticas, ideológicas e partidárias, e que pensem primeiro na República Argentina.”
Os discursos de Fein e Bonfatti tiveram o mesmo tom do proferido por Cristina. “Sabemos que a especulação financeira não tem bandeiras, mas nós vamos defender a nossa, a azul e branca. Para honrar a (Manuel) Belgrano [criador da bandeira argentina] é preciso levantar bem alta a bandeira da soberania nacional, em defesa da liberdade e da dignidade da nossa pátria”, disse a prefeita rosarina. Em seguida, Bonfatti reconheceu que “a instância que estamos transitando na abordagem da dívida externa exige que estejamos unidos, (…) que haja muito diálogo e transparência para negociar em função dos interesses de todos os argentinos.”
Na tarde de quarta-feira (18/06), o ministro de economia Axel Kicillof, o secretário Legal e Técnico Carlos Zannini e o chefe de gabinete Jorge Capitanich se reuniram com diferentes blocos políticos no Congresso Nacional para apresentar a estratégia argentina e angariar o apoio de diferentes setores políticos. Capitanich declarou que, apesar de algumas diferenças, os blocos opositores chegaram ao consenso de que a sentença de Griesa é “prejudicial à soberania nacional.” Em pronunciamento televisivo, Kicillof utilizou um lema velho conhecido das esquerdas mundiais para se referir aos “fundos abutres”. “Não passarão”, disse o ministro.