Em seu primeiro discurso nesta viagem a Nova York, para a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Pacto para o Futuro, documento a ser assinado pelos líderes mundiais na cidade norte-americana, aponta uma direção a seguir, mas que falta “ambição e ousadia” para que a entidade consiga cumprir seu papel.
O presidente brasileiro discursou durante a Cúpula do Futuro, realizada neste domingo (22/09). Segundo ele, a crise da governança global requer transformações estruturais e citou os recentes conflitos armados existentes no mundo atualmente.
“A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o conselho econômico e social foi esvaziado”, disse Lula ao discursar na Cúpula do Futuro.
No ano passado, o Brasil não conseguiu aprovar uma Resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre o conflito envolvendo Israel e o grupo palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza. Na ocasião, o voto dos Estados Unidos – um Membro Permanente – inviabilizou a aprovação, mesmo após longa negociação da diplomacia brasileira. Outras resoluções apresentadas também fracassaram, seja por votos contrários dos Estados Unidos, seja da Rússia, outro Membro Permanente. Segundo as regras do Conselho de Segurança, para que uma Resolução seja aprovada, é preciso o apoio de nove do total de 15 membros, sendo que nenhum dos membros permanentes pode vetar o texto.
Pacto do Futuro
O evento prévio à Assembleia Geral da ONU reúne líderes mundiais para debater formas de enfrentar as crises de segurança emergentes, acelerar o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e abordar as ameaças e oportunidades das tecnologias digitais.
Lula apontou como pontos positivos do Pacto tratar “de forma inédita” temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional; a criação de uma instância de diálogo entre chefes de estado e de governo e líderes de instituições financeiras internacionais. O que, segundo Lula, promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.
O presidente citou ainda o avanço para uma governança digital inclusiva que “reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a inteligência artificial”. “Todos esses avanços serão louváveis e significativos, mas, ainda assim, nos falta ambição e ousadia”, disse.
Ele também criticou o Conselho de Segurança da ONU, afirmando que a legitimidade do órgão encolhe “cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades”. Para Lula, as instituições de Bretom woods, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento.
“O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico”, afirmou.
O presidente disse que houve pouco avanço na agenda multilateral de reforma do sistema ONU nos últimos 20 anos e citou como medidas positivas a Comissão para Consolidação da Paz, criada em 2005 e o Conselho dos Direitos Humanos, criado em 2006.
Ele ainda alertou que os objetivos de desenvolvimento sustentável, mesmo tendo sido o maior “empreendimento diplomático dos últimos anos”, caminham para se tornarem o “nosso maior fracasso coletivo”.
“No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo. Na presidência do G20, O Brasil lançará uma aliança global contra fome e a pobreza, para acelerar a superação desses flagelos”, discursou.
Lula disse ainda que, mantido o ritmo atual, os níveis de redução de emissão de gases de efeito estufa e de financiamento climático serão insuficientes para manter o planeta seguro. “Em parceria com o secretário-geral [da ONU, António Guterres], como preparação para a COP30, vamos trabalhar para um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma de justiça, da equidade e da solidariedade”, continuou.
Direitos humanos
Em seu discurso, Lula disse que o mundo tem como responsabilidade não retroceder na agenda de direitos humanos e de promoção da paz.
“Não podemos recuar na promoção da igualdade de gênero, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação. Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares. É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência. Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso. Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente”, afirmou.
“Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos. O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão”, disse o presidente ao terminar o discurso.
Cúpula do Futuro e Assembleia Geral
A Cúpula para o Futuro é um evento paralelo à Assembleia Geral da ONU. O evento produziu um documento, aprovado neste domingo. Ele foi negociado entre os estados-membros para reforçar a cooperação global e estabelecer compromissos para uma melhor adaptação aos desafios atuais, para o futuro do multilateralismo renovado e eficaz, para benefício das gerações futuras.
Na terça-feira (24/09), o presidente fará o tradicional discurso de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas. Por tradição, desde a 10ª sessão da cúpula, o presidente do Brasil é sempre o primeiro país a discursar.
A Assembleia Geral das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU e reúne os 193 estados que fazem parte da organização, com cada nação tendo o direito a um voto. Para o Brasil, a abertura do Debate Geral da assembleia permite apresentar as prioridades do país, tanto internamente quanto internacionalmente.
Leia o discurso do presidente Lula na íntegra:
Agradeço ao Secretário-Geral António Guterres pela iniciativa de promover esta Cúpula do Futuro.
Cumprimento a Alemanha e a Namíbia, por meio do chanceler Olaf Scholz e do presidente Nangolo Mbumba, por conduzirem o processo que nos trouxe até aqui.
Há quase vinte anos, o então Secretário-Geral Kofi Annan nos convidou a pensar em como revigorar o multilateralismo para fazer frente aos desafios do novo milênio.
Naquela ocasião, ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico.
Aquela reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos.
Outras ideias não saíram do papel.
Temos duas grandes responsabilidades perante aqueles que nos sucederão.
A primeira é nunca retroceder.
Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação.
Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares.
É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência.
Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso.
Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo.
No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.
Na presidência do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para acelerar a superação desses flagelos.
Na COP28 do Clima, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris.
Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.
Em parceria com o Secretário-Geral, como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade.
Nossa segunda responsabilidade comum é abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades.
O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir.
O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional.
A criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.
O Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.
Todos esses avanços serão louváveis e significativos.
Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.
A crise da governança global requer transformações estruturais.
A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais.
A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões.
A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado.
A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades.
As instituições de Bretton Woods desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento.
O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico.
A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável.
Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos.
O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão.
Muito obrigado.