‘Neoliberalismo e repressão a movimentos’ explicam avanço da extrema direita na Europa
Em entrevista ao Brasil de Fato, coordenadora da Via Campesina na Europa e historiador brasileiro analisam cenário
O crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu é reflexo do que acontece nos países centrais do bloco, como França, Alemanha e Itália e são resultado do avanço do neoliberalismo e da repressão aos movimentos populares e à população imigrante nesses países. Essa é a análise feita ao Brasil de Fato por duas fontes ligadas a movimentos populares e à academia no Brasil e na Europa.
“Essa situação é o resultado de uma política neoliberal brutal e da repressão de todos os movimentos sociais por vários anos, desde que Macron está no poder. Todas as mobilizações sociais foram reprimidas e muitas reformas foram feitas. Isso colocou a classe trabalhadora em uma situação muito difícil na França, especialmente nas áreas rurais, com a destruição dos serviços públicos. Nessa situação, as pessoas expressam seu sofrimento com esse voto”, avalia a coordenadora geral da Via Campesina na Europa, Morgan Ody.
Ela aponta que a situação da França é preocupante, com a realização de novas eleições parlamentares diante de uma extrema direita fortalecida. Os radicais da direita francesa ficaram com algo entre 32,3% e 33% dos votos, enquanto a aliança capitaneada pelo partido de Macron – liberal, da direita tradicional – ficou com algo entre 14,8% e 15,2%. A lista do partido Reagrupamento Nacional é encabeçada por Jordan Bardella, de 28 anos. A principal líder da legenda é Marine Le Pen, que perdeu a eleição presidencial francesa para Macron em 2022.
Da perspectiva dos movimentos rurais organizados na Via Campesina, Ody considera que a situação de risco é iminente. “É muito perigoso, porque a extrema direita não tem respostas para a crise social que as áreas rurais da Europa estão enfrentando. Tudo o que estão propondo para combater a migração, para reduzir os direitos dos migrantes, para reduzir as medidas ambientais não melhora a situação das pessoas que vivem nas áreas rurais. Mas os partidos que vêm implementando essas políticas neoliberais há muito tempo também são muito responsáveis por isso.”

Partido conservador Irmãos da Itália, da primeira-ministra de extrema direita Giorgia Meloni, obteve maior número de votos na eleição italiana para o Parlamento Europeu
A vitória da extrema direita na França não foi um caso isolado. Outros países também viram siglas extremistas ganharem poder dentro do Parlamento Europeu. É o caso da Alemanha: o partido Alternativa para a Alemanha, conhecido pela sigla AfD, passa a ser a segunda maior legenda alemã dentro do Parlamento Europeu – até agora, ela ocupava a quarta posição. O partido conservador Irmãos da Itália, da primeira-ministra de extrema direita Giorgia Meloni, obteve o maior número de votos na eleição italiana para o Parlamento Europeu: cerca de 29% dos votos, mais de quatro vezes o que conquistou na última eleição da União Europeia em 2019, e superando os 26% que garantiu no pleito nacional de 2022.
Para Miguel Enrique Stédile, doutor e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul que integra a coordenação do Instituto de Educação Josué de Castro (RS) e é membro do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos, o resultado das eleições confirmou os processos já observados internamente nos países que integram o bloco. “Não há nenhum fato novo que pudesse levar o continente à esquerda. Ao contrário, a política institucional em geral, independente da matiz ideológica, abraçou a Ucrânia e o papel subordinado à OTAN. Apesar das manifestações de jovens, a política institucional é tímida sobre o aquecimento global e sobre o massacre palestino.”
Para Stédile, o resultado das eleições no Parlamento europeu aponta a gravidade da crise capitalista em suas muitas formas: ambiental, social e migratória. “As políticas apenas de gestão da crise tendem a fracassar, já que não enfrentam a raiz dos problemas. Sem que a esquerda apresente propostas reais e concretas de enfrentá-las, sobra para extrema direita a capacidade mobilizar em torno de rupturas e ideias radicais.”
Nesse sentido, a coordenadora da Via Campesina na Europa, destaca a importância dos movimentos sociais e camponeses se unirem para apresentar propostas que deem esperança à população europeia, como forma de barrar o avanço eleitoral da extrema direita.
“Muitas pessoas votam na extrema direita porque não têm mais esperança. Então, temos que desconstruir essa visão de que é possível um futuro melhor, com melhores serviços públicos, com melhores rendas, com melhores direitos sociais para todos. Porque o que a extrema direita está fazendo é fingir que a única maneira de proteger os direitos sociais dos franceses é reduzir os direitos sociais dos migrantes. E nós temos que mostrar que não, não é assim. Temos que defender os direitos dos migrantes e também os direitos sociais de toda a classe trabalhadora. E para reconstruir essa visão de esperança, de luta que deve ser contra os grandes privilegiados em nossas sociedades.”
