Enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) registra progressos significativos no mundo inteiro no cumprimento dos ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), uma população parece excluída dos avanços: os indígenas.
Os ODM comprometeram a comunidade internacional a atingir oito metas até 2015: acabar com a fome e a pobreza, universalizar a educação básica, promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater a aids, reduzir o desemprego e respeitar o meio ambiente. A cinco anos do prazo, os indígenas parecem os menos favorecidos, como revela um relatório apresentado hoje (14) no Rio de Janeiro e, simultaneamente, em Nova York, Bruxelas, Cidade de México, Manila, Bogotá, Camberra, Moscou e Pretória.
Fruto de uma pesquisa feita por sete especialistas indígenas para o Secretariado do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas das Nações Unidas, o relatório revela estatísticas alarmantes sobre pobreza, saúde, educação, emprego, direitos humanos, e meio ambiente.
“Os 370 milhões de indígenas no mundo, espalhados em 90 países e falando 4 mil línguas, têm uma expectativa de vida 20 anos menor que a média do resto do mundo”, lembra Giancarlo Summa, diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio), abrindo a apresentação.
“Existem hoje no mundo 900 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza em áreas rurais. Desse total, cerca de um terço é indígena. É uma grande preocupação para a ONU”, completa, antes de ceder a palavra a Marcos Terena, articulador dos direitos indígenas do Comitê Intertribal – Memória e Ciência Indígena (ITC).
Ex-aviador da Funai, Marcos é originário da etnia Terena, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Ele destaca a incapacidade dos povos indígenas no mundo inteiro, e especificamente na América Latina e no Brasil, de reduzir a pobreza, apesar das conquistas.
Terena: “A colonização fragmenta as instituições”
Na América Latina, a mortalidade infantil ainda é de 70% em comunidades indígenas. O relatório sublinha também que a desnutrição é duas vezes mais comum nas crianças indígenas do que nas não-indígenas.
O documento da ONU revela que no Equador, as taxas de câncer nas comunidades indígenas vivendo em áreas de produção de petróleo são significativamente maiores do que a média nacional. No caso do câncer na garganta, por exemplo, o risco é trinta vezes maior.
Suicídio
Terena chama atenção para o desespero sensível em muitas comunidades do Mato Grosso do Sul. Entre os Kaiowa, uma população de cerca de 30 mil pessoas, centenas de jovens se suicidarem nas duas últimas décadas, enquanto a comunidade lutava para manter os madeireiros e os fazendeiros longe de suas terras. Ele lembra que segundo o Ministério da Saúde, a taxa de suicídio dos guaranis era 19 vezes maior entre 2000 e 2005 que a taxa nacional brasileira. “Além disso, são na maioria adolescentes ou jovens adultos”.
O fato de morar em um país rico não é garantia de situação melhor, pondera o ex-aviador. “No Canadá, os índios têm até uma companhia aérea. No entanto, é o país onde a taxa de suicídio é a mais elevada, muito mais que no Brasil”, aponta.
A precariedade da saúde é também um fato nas comunidades indígenas dos Estados Unidos. Um indígena americano é 600 vezes mais suscetível a contrair tuberculose e a taxa de suicídio é 62% maior que na população em geral. “A colonização fragmenta as instituições sociais, culturais, econômicas e políticas, o que gera este desespero”, resume o índio terena. A violência contra as mulheres é também endêmica no mundo inteiro. Uma de cada três mulheres indígenas é sexualmente violentada durante a vida.
Idiomas
Para Marcos Terena, a outra grande preocupação é cultural. Apesar de se estimar que os povos indígenas componham menos de 6% da população mundial, eles falam a maioria das 7 mil línguas vivas. Além disso, vivem em áreas biologicamente diversas, acumulando um conhecimento tradicional sobre seus ecossistemas únicos. Segundo a Unesco, 90% das línguas indígenas vivas devem desaparecer durante o próximo século.
“Isso não é um exagero. Meus pais só falavam a nossa língua indígena. Eu falo a língua indígena e também o português. Em compensação, minha filha fala, só português. É assim que o patrimônio vai desaparecendo”, alerta Terena, lamentando a ausência de política pública para resgatar as culturas indígenas. No Brasil, os 230 povos, que representam cerca de um milhão de pessoas, falam hoje 180 línguas, ocupando 14% do território nacional.
Uma das maiores ameaças enfrentadas pela população indígena é a realocação das comunidades indígenas de suas terras. “Quando a população indígena reagiu e exigiu seus direitos, sofreu abusos físicos, detenções, torturas e até mortes”, diz o relatório. Terena lembra que o problema é identificado no Brasil pelo debate sobre as demarcações de terras indígenas.
“O Brasil tem uma Constituição e um corpo legislativo que estão entre os mais avançados do mundo sobre a questão indígena. O problema é a prática”, acrescenta Giancarlo Summa.
* Texto e foto.
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