“Oitenta anos do Holocausto na Alemanha: o passado ainda está presente?”, perguntou o jornal alemão Deutche Welle nesta segunda-feira (27/01) quando se recorda da liberação do campo de concentração de Auschwitz pelo Exército Vermelho. O dia foi escolhido como Dia Internacional da Memória do Holocausto pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Aberto em maio de 1940, o local se tornou o maior campo de extermínio de judeus em larga escala. Estima-se que ali os nazistas tenham assassinado mais de um milhão de pessoas, sendo 900 mil judeus. Quando o Exército soviético chegou, os oficiais da SS responsáveis haviam fugido com cerca de 60 mil prisioneiros em direção à Alemanha (a Marcha da Morte).
A ampla reportagem do Deutche Welle destacou a importância da Alemanha ter mais de 300 memoriais e centros de documentação sobre o nazismo e dos currículos escolares tratarem criticamente o tema. Mas alertou que a extrema direita representa uma ameaça a essa memória. “A memória dos crimes nazistas é alvo de ataques”, frisou o jornal.
Exemplo disso seriam as ameaças que Jeans Christian Wagner, diretor do Memorial de Buchenwald e Mettelbau-Dora, vem recebendo por se posicionar contra o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
“Quase todos os memoriais enfrentam vandalismo e negação do Holocausto. (…) Declarações que há 10 anos seriam amplamente rejeitadas hoje recebem muito mais apoio”, diz Veronika Hager, da Fundação Memória, Responsabilidade e Futuro, ao DW.
Alerta contra os que querem erradicar os diferentes
Na mesma linha, o jornal francês Le Monde publicou um artigo da rabina Pauline Bebe alertando sobre a necessidade de permanecer vigilante diante dos movimentos extremistas que atraem pessoas com desejo de erradicar todos os que são diferentes de si.
Mais genérico, o New York Times disse que Auschwitz foi palco de uma “cerimônia solene em uma época de ascensão do nacionalismo na Alemanha e em vários outros países europeus”.
Já o jornal português O Público trouxe a lembrança de Auschwitz para o contexto atual, recordando que, oito décadas depois, “as percepções e atitudes antissemitas estão a aumentar em todo o mundo”.
Segundo o periódico, isso se explica pelas atrocidades cometidas por Israel em Gaza e, sobretudo, pelo crescimento da extrema direita na Europa.
O Washington Post destacou o depoimento de Tova Friedmana mais jovem de todos os sobreviventes. Ela tinha seis anos quando o Exército Vermelho chegou a Auschwitz. Hoje, aos 86, pôs sues olhos críticos no presente e no futuro para lançar o seu alerta:
“O mundo se tornou tóxico. Há tanto ódio ao redor, tanta desconfiança, que se não pararmos, pode haver outra destruição terrível”, disse ela.

Mais de um milhão de pessoas morreram no campo de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial
Wiadomosci, jornal polonês, também destacou a vida de Friedman, mas preferiu as recordações dos seus dias terríveis em Auschwitz.
“Hitler ordenou: sem testemunhas. Sobrevivi porque minha mãe me colocou ao lado de uma mulher morta, entrelaçou nossas pernas e colocou minha cabeça sob a sua axila antes de jogar o lençol por cima”.
‘História lição de lucidez’
Em editorial, o jornal francês Le Figaro apontou que na França, “país de Bernard Lazare, Simone Weil e Marc Chagall”, ressurgem atos antissemitas e que “a história deve ser sempre uma lição de lucidez”.
O jornal espanhol El País destacou que o maior campo de extermínio nazista ainda encerra muitas perguntas sem resposta, como a relação de grandes empresas alemãs com o Holocausto.
“Sobre esse tema ainda há muito o que investigar, em torno a Auschwitz se instalaram vários campos de trabalhos forçados”, apontou o periódico.
Desde 1947, Auschwitz é um museu, além de lugar de memória e investigação. Mas vem se tornando cada vez mais local de turismo massivo que, em 2024, recebeu 1,8 milhões de visitantes.
Diversas reportagens desta segunda-feira destacam os sinais de banalização da história que vem associado com o turismo massivo. O La Vanguardia, por exemplo, mencionou que o museu de Auschwitz chegou a exigir respeito diante da abundância de selfies frívolas: jovens se equilibrando ou saltando entre os trilhos do trem ou fazendo caretas diante dos fornos crematórios.
Os genocídios mais recentes
O jornal argentino Página 12 divulgou um artigo da jornalista Eliana Malamud, ela mesma descendente de vítimas do nazismo. Nele, a repórter se pergunta qual terá sido a deriva emocional arraigada nos sobreviventes e transmitida aos seus filhos, netos e bisnetos.
Ela se pergunta se “suas almas dilaceradas cederam ao ódio e à sede de vingança que os teriam levado a gostar de trancar os vizinhos entre muros e arame farpado, com um instinto genocida semelhante ao que eles próprios sofreram”.
Ou se “conseguiram deleitar-se na procura da Justiça (…) naquele novo Estado-nação que parece embarcado numa insaciável expansão messiânica ao mesmo tempo que, juntamente com os impérios atlantistas, se coloca como guardião oriental do Mediterrâneo, com a pretensão de ser o que não é: a totalidade do que é judaico”.