Os números não mentem e são implacáveis. Segundo as sondagens do instituto de pesquisas Rasmussen Report, o presidente Barack Obama assume hoje (20) a presidência dos Estados Unidos com 67% da população a seu favor, enquanto George W. Bush deixa a Casa Branca com somente 16% de apoio, o índice mais baixo da história.
Mas ao mesmo tempo em que sai de cena com uma marca de impopularidade, Bush também entrega nas mãos de Obama um legado sombrio: uma dívida interna de US$ 1 trilhão, uma crise financeira e outra habitacional, duas frentes de combate no mundo árabe, poucos aliados na Europa e um sentimento anti-americano generalizado ao redor do mundo.
Obama está consciente do desafio. No último domingo, enquanto repetia o mesmo trajeto de trem que Abraham Lincoln percorreu, da Filadélfia até Washington, fez uma parada em Baltimore, onde nasceu a União Americana em 1776 e falou de uma nova independência, procurando explicitar que os tempos devem ser outros.
“Precisamos de uma nova declaração de independência”, disse Obama, a uma multidão concentrada no centro da cidade, transmitindo a idéia de que, apesar dos mais de 200 anos de independência, os Estados Unidos são ainda um país em construção.
“A revolução americana não acabou quando as armas britânicas foram silenciadas. Isto nunca foi algo que pudesse ser ganho apenas no campo de batalha ou nos documentos dos pais fundadores. Nunca foi uma luta para nos libertar de um império e declarar a independência. A revolução americana era, e continua a ser, uma luta que ainda se trava na mente e no coração das pessoas”, afirmou.
Inspiração em Roosevelt para enfrentar crise
Uma das características do novo presidente que mais chamou a atenção dos observadores é a forma como ele aplica as influências que adquiriu ao longo dos 47 anos de vida em seu dia-a-dia. Exemplo disso é a admiração que tem pelo ex-presidente Franklin Delano Roosevelt, de quem Obama diz ter se inspirado para enfrentar a recente crise econômica.
É certo que em 1933 a crise que Roosevelt herdou era mais grave que a atual, mas a política do new deal e as mudanças que vieram junto com ela, como solução para o problema, que começou com o crash da bolsa em 1929, se delineiam hoje como um bom início de plano de ação para Obama.
“Roosevelt e Obama chegaram à Casa Branca num momento de crise econômica e hoje, tal como nos anos 1930, as expectativas eram enormes. Mas a situação em 1933 era pior”, comentou o historiador Herman Eberhardt. Em sua opinião, “[em 1933] as pessoas tinham perdido a confiança e viviam num estado de medo. Por isso, Roosevelt começou a agir logo que subiu ao poder. Projetou uma sensação de confiança partindo do princípio de que se a nação se unisse, poderia enfrentar os problemas”, acrescentou.
Foi isso que Obama percebeu há dois anos, quando decidiu concorrer à presidência, e se deu conta que o cenário era parecido. As pessoas já não confiavam na sociedade nem em seus governantes. Partindo da idéia de “sim, podemos” (yes,we can), transformou a frase no mote de campanha e, dessa forma, conseguiu convencer as pessoas que elas eram, também, parte de solução do problema, e não apenas vítimas dele.
Seguindo sua filosofia, após ser eleito em novembro de 2008, Obama já agia como um partícipe da gestão dos pacotes de ajuda financeira aos bancos norte-americanos. Sem demonstrar concorrência com Bush, nem procurando projetar a imagem de “um país-dois presidentes”, conseguiu estender a sua opinião e dar o recado a todos os setores em processo de recuperação.
O pacote de ajuda a indústria automobilística não foi aprovado até que Obama estivesse de acordo. Na semana passada, Bush disse que só pediria a segunda parte do pacote financeiro para os bancos se Obama o fizesse – e assim aconteceu.
Seus assessores têm trabalhado 24 horas por dia para entregar, hoje à tarde, o primeiro pacote de recuperação econômica da administração Obama sobre a mesa no Gabinete Oval. “O trabalho começa logo no primeiro minuto da minha presidência”, disse durante a campanha.
Herança belicista de Bush marca as relações exteriores
Em política exterior, o grande problema de Obama será a guerra no Afeganistão, uma espécie de conflito esquecido da administração Bush e, até certo ponto, maior que o Iraque. Lá, os talibãs – depostos após a invasão do país em 2001 – cada dia conquistam mais posições. As plantações de papoula crescem e com elas também o tráfico de heroína, hoje o principal produto de exportação do Afeganistão.
Enquanto isso, no Iraque, há em curso um plano de saída das tropas norte-americanas, estabelecido para um prazo de 16 meses. Se a promessa será cumprida, é outra história.
“Obama não vai poder governar com calma, com duas frentes de batalha. Mas o Afeganistão irá lhe trazer mais problemas. É ainda um terreno virgem para os Estados Unidos, que faz fronteira com o Paquistão, precisamente onde os talibãs se escondem. É uma zona explosiva, que exige muito tato. Penso que será no Afeganistão que Obama terá a sua primeira grande crise em política exterior”, comentou Daniel Alvarez, analista e professor da Universidade Internacional da Florida.
A união de um país racialmente dividido
Mas o maior logro com que Obama chega essa tarde à Casa Branca é que conseguiu, como nunca nenhum outro líder, unir um país racialmente fragmentado. “Não somos uma América branca, uma América afro, uma América hispânica. Somos os Estados Unidos da América”, recordou, em novembro, quando ganhou as eleições.
E essa força de unidade, esse momento, é apontado como único por todos pois se deu nos Estados Unidos, e ao redor de um negro. E isso representa um reconhecimento extraordinário para a população afro-americana, que ontem (19) recordou mais um aniversário do assassinato do líder negro Martin Luther King.
A população negra foi, nos Estados Unidos, o último segmento a adquirir direitos civis, há pouco menos de quatro décadas. A possibilidade de que, um dia, um negro ocuparia o mais alto cargo do país, era inimaginável para muitos. Mesmo que Obama não tenha o êxito que todos esperam, o fato de ter sido eleito, já foi por si só significativo.
O retrato da esperança pôde ser visto ontem à tarde, em Washington. Ao chegar à capital em uma cadeira de rodas, Silvester Williams, que sobreviveu ao furacão Katrina em Nova Orleans, chorava diante das câmeras da rede de televisão NBC News. “Deus foi generoso comigo, pois me deu a possibilidade de ver um presidente negro na Casa Branca”. Silvester Williams assistirá a nomeação de Obama ao lado de milhares de norte-americanos neste 20 de janeiro de 2009. Sem dúvidas, o dia mais emocionante de seus 100 anos de vida.
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