Poucos minutos após o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reafirmar a intenção de fechar a prisão na base de Guantánamo e transferir os presos para território norte-americano, o ex vice-presidente Dick Cheney defendeu a decisão de administração anterior de abrir a prisão e praticar a tortura em determinados detentos.
O duelo de discursos com pontos de vista diametralmente opostos aconteceu pela manhã e foi transmitido por diversas cadeias de TV, que inclusive chamaram o acontecimento de o “duelo do terror”.
O presidente falou no átrio principal dos Arquivos Nacionais, panteão dos documentos da história norte-americana em Washington, enquanto Cheney discursou na sede do centro de análise American Enterprise Institute, bastião do republicanismo ultraconservador, também na capital norte-americana.
Barack Obama e Dick Cheney defenderam posições opostas; fotos: Matthew Cavanaugh/EFE
“Manter a aberta a prisão representa uma desvalorização da autoridade moral dos Estados Unidos, que é nossa moeda mais forte no mundo”, afirmou Obama. Além disso, acrescentou, “os custos de manter a prisão aberta são maiores que os benefícios”. Ele recordou que a administração anterior libertou 500 presos de Guantánamo, uma resposta direta aos republicanos que criticam suas intenções de libertar alguns dos 250 que ainda permanecem presos.
O discurso presidencial aconteceu um dia após o Congresso não aprovar a concessão de 80 milhões dólares para o encerramento da base, com o argumento de que a Casa Branca não apresentou um plano concreto e detalhado. Isso aliado ao lançamento de um relatório pelo Pentágono que conclui que a maioria dos presos libertados voltaram ao combate contra as tropas norte-americanas no Afeganistão.
Obama aproveitou a oportunidade para passar uma mensagem aos senadores e deputados federais, a quem recordou suas obrigações. “Como comandante-chefe deste país, tenho a obrigação constitucional de garantir a segurança dos norte-americanos. E, que eu saiba, não sou o único nesta cidade que jurou cumprir a Constituição”, sublinhou.
Responsabilidade
Apesar de não ter mencionado o nome do ex-presidente George W. Bush, Obama criticou as decisões do seu antecessor, cuja administração acusou de ser a responsável pela queda da imagem dos Estados Unidos no mundo e de ter afastado valores e princípios do país para levar adiante seus planos de guerra.
“Se estamos nesta situação é porque a prisão nunca deveria ter sido aberta”, afirmou o presidente, ao reafirmar que no combate ao terrorismo os Estados Unidos devem ser norteados “por seus valores e princípios” e “dentro do marco das leis”.
“A prisão de Guantánamo em si é uma forte ameaça à segurança dos Estados Unidos e não tenho a mínima intenção de colocar o povo norte-americano em perigo”, acrescentou Obama.
O presidente, contudo, garantiu que nenhum dos presos de Guantánamo será libertado se for constatado que é um perigo para os Estados Unidos. Segundo Obama, existem prisões de segurança máxima suficientes para manter presos os detidos nas guerras do Afeganistão e Iraque em território norte-americano.
“Recordem que nunca ninguém escapou de nossas prisões de segurança máxima”, afirmou Obama, rebatendo o argumento de políticos nacionais e autoridades locais, sobre a suposta fragilidade do sistema penitenciário do país.
Mudanças
Obama também garantiu que haverá mudanças, começando pela forma como serão tratadas as informações confidenciais. “Não fomos eleitos para impor uma ideologia rígida, também não vamos esconder informação apenas porque é comprometedora para o governo. Tenham a certeza de que, vamos fechar a prisão, vamos desclassificar documentos e implementar novas regras jurídicas”, disse.
Entre elas, citou uma maior supervisão das operações de segurança, do funcionamento do sistema jurídico e a uma maior transparência governamental já que, na sua opinião, houve presidentes “que abusaram do privilégio” de acesso a informações confidenciais.
Cheney
Minutos depois que Obama terminou seu discurso de 50 minutos, o maior desde que assumiu a presidência, Cheney se apresentou diante de uma audiência republicana e conservadora e assumiu, segundo palavras do analista Pat Buchanan, o papel de líder da linha dura republicana.
O ex vice-presidente acusou diretamente Obama de “criminalizar” o comportamento político de Bush e defendeu o uso da tortura como recurso de combate ao terrorismo, chamando-a de “interrogatório reforçado”.
“Os interrogatórios reforçados foram necessários depois que fracassaram outros métodos e os oficiais que os aplicaram devem sentir-se orgulhosos do que fizeram”, disse Cheney, que não foi interrompido durante os 40 minutos de fala.
Há semanas Cheney vem assumindo publicamente a defesa das decisões da administração Bush e do partido republicano durante os últimos sete anos da guerra, um partido que se encontra enfraquecido e que sofreu hoje uma baixa com a demissão do ex-secretário de Estado Collin Powell que, segundo a cadeia MsNBC, se encontra “profundamente decepcionado” com a guinada à direita tomada pelo partido.
11/09
Cheney precisou que a tortura foi aplicada apenas a três prisioneiros de guerra, “os mais importantes”, e em termos gerais a administração Bush conseguiu manter a Al Qaeda e outros terroristas afastados. “Nunca mais tivemos um ataque neste país”, justificou.
Segundo ele, a polemica atual se resume ao dilema filosófico de se os ataques de 11 de Setembro de 2001 foram atos isolados ou justificaram um estado de guerra. “Para mim está mais que claro que nunca tomamos a decisão acertada”.
Cheney acusou a administração de manipular a divulgação no mês passado de 44 memorandos sobre a tortura, porque “preferiram manter oculto aquela parte deles onde se explica que [a tortura] deu resultados certos. Eu sei isso porque os li nessa altura e voltei a lê-los na semana passada”.
“Espero que o presidente Obama autorize sua desclassificação”, acrescentou.
Para o braço-direito de Bush, o presidente Obama decidiu encerrar a prisão de Guantánamo “sem pensar muito e sem um plano”, porque “descobriu que é mais fácil receber os aplausos da Europa e não enfrentar uma alternativa que sirva os interesses, a justiça e a segurança nacional dos Estados Unidos”.
“Parece-me incrível que num momento como este, Cheney ainda esteja dizendo que para garantir a segurança de nosso país, temos de esmagar nossos valores”, comentou ao Opera Mundi a diretora do Huffington Post, a jornalista Arianna Huffington.
No início da tarde, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, admitiu que o presidente ainda não tem um plano para encerrar a prisão de Guantánamo. “Estamos trabalhando nisso e teremos um plano. O que não vamos ter é uma série de prisioneiros debaixo da nossa autoridade em violação de nossos valores e princípios”, acrescentou.
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