No mapa mundial digital, parece uma terra de ninguém, presa entre Europa e Ásia. No imaginário ocidental, países da África do Norte e do Oriente Médio são um buraco negro no “mundo livre” da web. Obscurantismo religioso, vida intelectual pobre, falta de liberdade, ausência crônica de equipamentos, governos autoritários e conservadores… O mundo árabe continua a transmitir a imagem de uma região perturbada. As políticas de censura de seus dirigentes não contribuem para a melhoria desta percepção.
Robert Ménard, ex-presidente da ONG Repórteres Sem Fronteiras, experimentou a falta de liberdade de imprensa, como contou em maio ao semanário britânico The Economist. Lançado em outubro de 2008 no Qatar, seu Doha Center for Media Freedom já está condenado. Os patrocinadores locais não têm a mesma concepção sobre liberdade de expressão.
“Robert Menard deve saber que existe uma linha vermelha para não atravessar, em termos de liberdade de imprensa”, explicava no início de maio um editorial do diário local Al-Watan, referindo-se ao fato de ele ter convidado para um trabalho um quadro do jornal Jyllands-Posten, diário dinamarquês que ficou famoso ao publicar caricaturas de Maomé que inflamaram o mundo muçulmano, no final de 2005.
Além dessa imagem de censura e caos, o renascimento do mundo árabe, no entanto, pode ser incensado pela mídia. Pelo menos é essa a tese defendida por dois livros publicados simultaneamente na primavera de 2009 na França pela editora Actes Sud.
“Durante a década de 1990, a proliferação de canais de televisão por satélite e a expansão da internet têm mudado a relação de muitas pessoas com a informação. Também transformaram a paisagem midiática em alguns países, uma vez que introduziram outros modelos de comunicação”, diz a introdução do livro Mídia no Mediterrâneo, Nova mídia, Mundo Árabe e Relações Internacionais, co-publicado por Actes Sud e Barzakh.
Parábolas nos telhados
“Estes meios de comunicação estão se tornando educadores dos comportamentos privados. São suscetíveis de alterar as relações entre cidadãos e governos, expressando um jeito diferente de pensar a política e o mundo. A nível internacional, estes meios de comunicação estão tomando o espaço de governos em termos de legitimidade e representatividade”, segue o texto.
Surgidos na década de 1990, os canais de televisão por satélite invadiram gradualmente a vida das sociedades árabes, enquanto os telhados de Argel, Cairo ou Beirute foram cobertos por inúmeras parabólicas – a foto abaixo, da agência EFE, mostra um grupo tradicional de dança egípcio se apresentando em Argel durante o Segundo Festival Cultural Panafricano (Panaf), em 4 de julho, dia em que a Argélia comemora sua independência.
Ao mesmo tempo, países como Marrocos e Egito lançaram, com variados graus de sucesso, uma série de reformas de liberalização econômica, para atrair novos investidores estrangeiros. Mas, ao mesmo tempo, ambos os Estados ficaram atentos a não estender esta abertura a qualquer setor da radiodifusão. É por exemplo o caso do canal ENTV na Argélia, que permanece vinculado ao poder autoritário.
“O caso da mídia na Arábia Saudita é mais original”, escreve Tourya Guaaybess no livro Os Árabes Falam aos Árabes. Os Canais Middle East Broadcasting Center e Al-Arabiya (baseados em Dubai), tais como Orbit (Itália) e ART (Bahrain), oferecem a aparência da ultramodernidade e são muito populares nos países árabes.
Programas de diversão como Quem Quer Ser um Milionário – que deu origem ao filme vencedor do Oscar – ou as informações tipo CNN do canal Al-Arabiya contrastam com os conteúdos apresentados pela televisão pública na Arábia Saudita. “É para contornar suas próprias regras morais que o reino saudita escolheu financiar estes canais fora do território nacional. Mas sua aparência privada e sem vinculação com o Estado é simbólica”, explica Guaaybess.
Esfera política impermeável
No Líbano, Al Manar, o canal do Hizbollah, tem também conquistado uma popularidade que logo cruzou as fronteiras do país. Edição tipo “cut”, debates, religião e propaganda, Al Manar é o canal que exibe por exemplo este clipe americanizado, para glória do partido xiita:
Mas transmite também debates muito críticos sobre as sociedades e os governos árabes, seguindo a linha da Al Jazeera, líder em informação no mundo árabe desde sua criação, em 1995.
Resta saber se este novo marketing televisivo e as práticas que ele induz podem encontrar um lugar dentro de uma esfera política árabe, que, até agora, permanece impermeável às mudanças das sociedades civis. “O impacto da televisão é ainda difícil de medir”, reconhece Yves Gonzalez-Quijano, professor na Universidade de Lyon e coordenador do livro Os Árabes Falam aos Árabes.
Ele usa a metáfora do copo para detalhar sua percepção. “O copo meio vazio é o fato que apesar de dezenas de milhares de horas de programação sobre a Palestina, nada mudou. O copo meio cheio é que já não podemos fazer os cidadãos de países árabes acreditarem que a campanha militar dos EUA no Iraque é um grande sucesso, o que teria sido possível alguns anos atrás”.
Para o pesquisador francês, “as pessoas já estão conscientes do que está acontecendo no país vizinho. Então eu não posso imaginar que, daqui a dez anos, a política não mude. Isto não vai ficar assim”.
Big-bang digital
Com o aumento de mais de 700% na quantidade de usuários a cada ano, as sociedades do mundo árabe estão experimentando um verdadeiro “big-bang” digital. A expansão da internet está baseada em três fenômenos: a existência de redes sociais fortes que facilitam a adesão a redes na net, uma dinâmica demográfica muito importante e, sobretudo, o grande apetite por informação expressado pelos cidadãos previamente privados de acesso ao resto do mundo por seus regimes autoritários.
Para os usuários jovens nascidos no início dos anos 1990, a internet aparece como uma forma de forjar um “novo olhar para si mesmo”, e “novos tipos de relações dentro de seus grupos ou com o estrangeiro”, em sociedades tradicionais onde a promoção social das novas gerações nem sempre é garantida, explica Gonzalez-Quijano.
Os governos árabes enfrentam estas novas práticas “online”, que têm dificuldade para entender, com diferentes graus de brutalidade. A palma da censura digital pode ser atribuída ao presidente Bem Ali, na Tunísia. Depois de fechar todos os sites independentes e contestatórios, como o famoso Tunezine, o regime tunisiano agora batalha contra grupos que se formam nas redes sociais como Facebook. Também começou uma guerra contra o You Tube, que tem ajudado a divulgar a revolta de Gafsa, uma região mineira no sul do país, em greve há quase dois anos.
Apesar desta censura estatal quase sistemática, a expansão da internet parece inexorável. Assim, no Marrocos, “a experiência dos blogueiros vai muito além da quantidade de páginas que têm colocado online”, escreve Nadia Ben Sellam, jornalista do diário Al Hayat, no livro Os Árabes Falam aos Árabes. Ela completa: “Im salto qualitativo foi feito. Agora os blogs tornaram-se objetos de reflexão, não somente espaços para a reflexão”.
NULL
NULL
NULL