A imprensa nem sempre consegue dar um retrato consistente dos fatos por fazer uma leitura muito imediatista ou enviesada. Por exemplo: segundo o noticiário desta semana, o foguete lançado pela Coreia do Norte no domingo passado (5) teria provocado “uma divisão” na ONU. Diversas publicações deram títulos parecidos e um espaço de cobertura condizente com um incidente diplomático sério. Mas foi precipitado assumir que isso aconteceria, mesmo que a decisão da Coréia do Norte seja muito relevante, por envolver aumento de tensão política e de impulsos bélicos.
A Coreia do Norte está desenvolvendo tecnologia espacial e nuclear que lhe dá, além dos ganhos tecnológicos e econômicos, também a possibilidade inevitável de construir bombas de alto poder destrutivo e atirá-las bem longe. O foguete testado domingo, o Taepodong-2, poderia, de acordo com especialistas, lançar um míssil nuclear a 6.700 quilômetros – no Alasca, por exemplo. Significa que o país dobrou a potência dos seus foguetes em relação a dois anos atrás.
Os protestos, no entanto, ficaram muito aquém de uma divisão em âmbito internacional. Apenas Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul tomaram medidas concretas, e mesmo assim se limitaram a pedir uma condenação formal pelo Conselho de Segurança da ONU, formado por apenas 15 países. Nada parecido com uma possível proposta de retaliação ampla, por exemplo, por meio de boicote econômico internacional contra a Coreia do Norte.
Há dúvida até sobre o resultado do pedido de condenação. De acordo com o Guardian londrino, houve apenas um encontro inicial entre Estados Unidos, Inglaterra e França, e o site do Conselho de Segurança sequer faz referência à reunião. Traz apenas uma nota sucinta assinada pelo secretário-geral, Ban Ki-moon, sublinhando que se trata de informação à imprensa, e não uma declaração oficial. A nota “lamenta que a Coreia do Norte tenha levado adiante o lançamento” porque a decisão não ajudaria a promover “o diálogo e a paz e a estabilidade regional”.
Credibilidade
Falhas desse tipo prejudicam a credibilidade do noticiário e, para os leitores, fica quase impossível ter uma idéia razoável do que está acontecendo – o que é ruim em qualquer época e péssimo num período de crise. Erros acontecem, mas isso não justifica o exagero, nesse caso, dado o grau de desorientação e de realinhamentos dentro da política internacional.
A própria diplomacia norte-americana anunciou que, apesar da pressão dentro do Conselho de Segurança, estava, ao mesmo tempo, preparada para negociar com a Coreia do Norte, conforme declarou o diplomata Steven Bosworth, designado para a tarefa. Esse seria também o espírito dominante na Coreia do Sul, de acordo com reportagem oportuna do The Huffington Post. “Mesmo os conservadores se oporiam a uma ação militar dos Estados Unidos”, disse o analista Hyun In-taek, especialista em relações internacionais da Universidade da Coreia, em Seul.
Entre os membros do Conselho, China e Rússia, que são permanentes e têm poder de veto, disseram lamentar a decisão norte-coreana, mas a acataram. Outros cinco países, entre os quais a Líbia e o Vietnã, também teriam seguido essa linha. Apenas o Japão, que já mantém a Coreia do Norte sob boicote, insistiu em nova punição. Diante desse quadro, não admira que franceses e ingleses tenham ficado essencialmente mudos no episódio, apesar de, em princípio, apoiarem a pressão norte-americana. É possível que há dez anos, a atitude coreana tivesse consequências graves, mas o ambiente político internacional não é mais o mesmo, e está mudando rapidamente. Acompanhar os fatos com precisão demanda atenção redobrada e cuidadosa avaliação do contexto.
Foto do foguete polêmico, veiculada quatro dias após o lançamento; crédito: EFE
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* Flávio Dieguez é jornalista. Foi editor da revista Superinteressante até 2000 e chefe da Agência Brasil entre 2004 e 2006.
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