Sob forte esquema de segurança, Sérgio Moro realizou uma conferência na Universidade de Miami no dia 19 de abril. Gravada por membros do Brazilian Democracy Watch, recentemente criado para denunciar a crise política pós-impeachement, que culminou com a prisão de Lula, a palestra parece ter sido construída como defesa da Lava Jato e legitimação do golpe. Nota-se que a árdua tarefa de tradução requereu paciência e muita boa vontade, visto que o juiz preferiu adotar a iniciativa patética de fingir que domina o inglês, em lugar de falar no seu idioma a uma plateia formada majoritariamente por brasileiros e alguns norte-americanos familiarizados com a nossa língua.
Decifrando, a duras penas, o inglês abaixo de sofrível de Moro, pode-se entender as linhas gerais do seu discurso previsível, que mostra uma linha de pensamento tão medíocre quanto vaidosa. Porém, mesmo como leiga em assuntos jurídicos, fiquei surpresa com o trecho em que ele admite, com toda naturalidade, o peso da opinião pública nas suas decisões. Ora, nunca foi segredo que o juiz de Curitiba joga para a mídia, obedecendo aos interesses das elites dirigentes tupiniquins, compactuadas com o grande capital internacional. Sempre se soube que ele segue as instruções da maior emissora televisiva do país que, por seu turno, leva adiante um trabalho incansável de manipulação dos telespectadores desavisados e desprovidos de senso crítico, de modo a garantir a implementação dos seus interesses.
Não me cabe, aqui, desfiar os inúmeros momentos em que Moro extrapolou as funções de servidor público para impor a sua vontade, esbarrando na inconstitucionalidade e evidenciando, assim, o Estado de exceção instaurado no Brasil após a destituição da presidenta Dilma Rousseff. No entanto, ao menos que eu saiba, nunca antes havia ele admitido abertamente que agiu segundo a “opinião pública”. Tal afirmação causou, no mínimo, estranheza, pois mesmo sem dominar o instrumental jurídico para analisar os pontos controversos que permeiam as suas declarações, sei que não se pode lançar mão de tal recurso seja como base, seja para servir de escudo. Se precisava de escudo antes da sentença, significa que já tinha o pré-julgamento.
NULL
NULL
A nossa legislação penal é muito clara neste quesito: só os crimes dolosos contra a vida, na sua forma atentada e consumada, a exemplo de homicídio, infanticídio, auxílio ao suicídio e aborto, são julgados pelo Tribunal do Juri, que legitimamente representa a opinião pública. Contudo, a Lula não foi imputado nenhum deles. De onde conclui-se que o juiz cometeu um grave equívoco jurídico que poderia, no limite, anular todo o processo contra o ex-presidente. Pois a publicidade do processo tem como objetivo não prejudicar o réu e nunca para servir como instrumento de captação de opinião pública para embasar decisões. E, ainda que abordássemos o termo sob uma perspectiva mais informal, de acordo com o senso comum, onde “opinião pública” seria, antes, o pensamento geral da sociedade do que um juri stricto sensu, o problema continua e se aprofunda. Não me consta que ele tenha ouvido a população brasileira em toda a sua pluralidade político-ideológica. Eu, por exemplo, nunca fui ouvida, e nem os milhões de eleitores que votaram em Lula e refutam a sua condenação arbitrária. Posto em outras palavras, Moro ouviu, ou melhor, obedeceu a uma parcela ínfima de pessoas dispostas a qualquer atitude, não importa quão criminosa, para retirar o ex-presidente da corrida eleitoral, onde mantinha a dianteira em qualquer tipo de sondagem. Caberia aos advogados competentes examinar a questão sob o ângulo do Juiz de Curitiba, por ter ele declarado, perante o auditório, que não aplicou a legislação pertinente ao caso, mas sim decidiu conforme o clamor da opinião pública, como vemos no trecho abaixo:
“Tudo o que teve a ver com os casos da Lava Jato, da fase das investigações, audiências da testemunhas e a sentença, foi conduzido abertamente, à luz do dia. A Constituição Brasileira determina que o Processo Judicial seja aberto ao público. Não há nenhuma possibilidade de haver casos julgados em segredo. Esta regra de transparência foi muito importante. Deixar publica cada peça de evidência foi crucial para a obter o apoio popular necessário para a aplicação da lei e ajudou a brecar as tentativas de obstrução da justiça. Claro que um juiz precisa julgar cada caso baseado na lei e nas evidências, e não baseado na opinião pública. Entretanto, em casos envolvendo acusações criminais contra réus poderosos, a opinião pública pode funcionar como um escudo contra a obstrução do trabalho da justiça. Seria ótimo se o juiz pudesse realizar as suas tarefas, fazer o seu trabalho apenas aplicando a lei. Mas quando você tem este nível de crime você precisa de aliados. E a opinião pública pode ser um importante aliado. Evidente que um juiz não poderia subordinar seu julgamento à opinião pública, mas ela foi muito importante para. E a opinião pública pode ser um aliado vital. Evidente que um juiz não poderia subordinar seu julgamento à opinião pública, mas ela foi muito importante para evitar tentativas de obstrução da justiça.”
Marcia Camargos
O ato na capital francesa reuniu manifestantes de diversas frentes sindicais e coletivos, como o Alerte France Brésil