Quinta-feira, 3 de julho de 2025
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O ex-assessor parlamentar Manuel Matias, ligado ao partido de extrema direita Chega e pai da deputada Rita Matias, reeleita nas últimas eleições legislativas em Portugal, está entre os membros que participavam do grupo de Facebook chamado Movimento Armilar Lusitano (MAL), que pretendia se estabelecer como uma organização política apoiada por uma milícia armada.

A denúncia publicada pelo jornal Correio da Manhã é baseada em uma investigação na qual seis pessoas foram detidas no início de junho, durante a operação “Desarme 3D”, que investiga grupos extremistas e neonazistas no país.

Segundo a Polícia Judiciária (PJ), entre os planos desses indivíduos estava a invasão do Parlamento e do Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República.

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Em declaração à imprensa, Matias alegou fazer parte de “milhares de grupos” nas redes. “Se o grupo é desse teor, eu estou completamente nas antípodas, é só ver as minhas posições sobre o tema”, afirmou ao site Observador.

Em julho do ano passado, durante uma conferência organizada por Eduardo Bolsonaro na cidade de Balneário Camboriú, Santa Catarina, a deputada Rita Matias liderou o coro de “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”, encerrando sua fala com o slogan “Deus, pátria e família” de Benito Mussolini.

Na época, o evento reuniu diversos líderes da extrema direita mundial, incluindo o presidente argentino Javier Milei.

Chefe de polícia envolvido

Entre os integrantes do MAL estava Bruno Gonçalves, chefe da Polícia de Segurança Pública (PSP) e considerado um dos líderes da organização. Também participavam Bruno Carrilho, Nuno Pais e Ricardo Pereira, todos acusados de infrações relacionadas a ações terroristas e porte de armas.

De acordo com a PJ, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão em locais residenciais e não residenciais. Além de artigos com suásticas, foram apreendidos equipamentos eletrônicos, materiais explosivos e munições, incluindo armas de fogo fabricadas por impressoras 3D que não são identificadas por detectores de metais comuns. O caso é considerado inédito no país.

As investigações tiveram início em 2021, após a identificação de discursos de ódio na internet. Nos grupos monitorados pela polícia, os seguidores também promoviam discriminação, racismo e xenofobia contra imigrantes e refugiados. A comunidade brasileira, maior em Portugal, tem sido alvo frequente desses ataques.

Crescente neonazista

No último dia 10 de junho, data que celebra Portugal, Camões e as Comunidades Portuguesas, o país presenciou uma agressão neonazista que atingiu o ator Adérito Lopes na porta do Teatro A Barraca, em Lisboa.

No vídeo que revelou a identidade dos participantes, alguns rostos conhecidos foram identificados, como os de João Martins e Nuno Themudo da Silva, condenados pelo assassinato do imigrante cabo-verdiano Alcindo Monteiro, em 1995. Na época, ambos eram membros da divisão portuguesa do grupo neonazista Blood & Honour (B&H).

O B&H foi criado no final dos anos 1980, no Reino Unido, por skinheads neonazistas que deram uma orientação nacionalista e nazista ao punk-rock Oi!, que, ironicamente, surgiu na classe trabalhadora de Londres como uma resposta ao punk “sem causa” das ruas.

Ian Stuart Donaldson, vocalista do Skrewdriver, foi um dos fundadores do grupo. Ele utiliza a música como ferramenta de radicalização. Nos anos 1990, o movimento criou o Combat 18 (C18), o braço armado do B&H e precursor do aceleracionismo dentro do neonazismo através da “Racial Holy War” (RaHoWa).

O Combat 18 tornou-se o grupo terrorista neonazista mais perigoso do mundo, com quase uma centena de ataques registrados. Só na Grécia, entre 2010 e 2018, foram trinta ações organizadas.

Os eventos musicais representam uma das principais fontes de renda do B&H, que é altamente organizado, contando com uma constituição própria e membros que pagam mensalidades para permanecer no movimento. Todas as divisões funcionam dessa forma, incluindo a portuguesa, fundada em 1993.

Conexão Portugal Espanha

A reportagem de Opera Mundi conversou com um antigo membro que ainda tem acesso ao grupo Blood & Honour para compreender melhor como esses movimentos têm se fortalecido em Portugal e na Espanha.

Um dos exemplos citados pelo ex-membro foi a banda Legião Lusitana, considerada uma divisão por ser o grupo musical “oficial” do B&H no país. “Eles não fazem questão de esconder essa relação em perfis no Facebook ou Instagram. Inclusive, a página da banda na rede social é aberta a todos, e o conteúdo não parece incomodar nem Mark Zuckerberg nem as autoridades portuguesas”, disse.

Hoje, o grupo parece estar mais ativo no Porto, cidade ao norte de Portugal onde também fica a base da banda. Curiosamente, a Legião Lusitana mantêm uma conexão estreita com o B&H Espanha, que, em teoria, foi banido e não deveria operar. Atualmente, o vocalista Sergio Renato reside em Barcelona com sua esposa Kris, que é espanhola e também faz parte do B&H.

O número 28 identifica o B (segundo número do alfabeto) e o H (oitavo) do nome da banda, Blood & Honour, alusão ao lema ‘sangue e honra’, usado como slogan da juventude hitlerista
Reprodução Instagram

Outro que aparece constantemente entre as ações da banda é espanhol Ruben Mariscal Romero, bem como Tomas Bermejo, residente em Madri. A esposa de ambos também são ativas no grupo. De acordo com a fonte, as mulheres são melhores aceitas dentro da rede Blood & Honour do que no grupo Hammerskins, por exemplo, mas têm papel secundário.

Na foto que foi publicada na página da Legião Lusitana no Facebook, e que foi reproduzida na imprensa portuguesa, a fonte ouvida pela reportagem identificou os três, além de um quarto integrante do B&H Portugal.

 

Da esquerda para a direita: 1. Orlando Almeida – 2. Tomas Bermejo  3. Sergio Renato  4. Ruben Mariscal Romero
Reprodução

Os eventos promovidos pelo B&H são sempre clandestinos, realizados sem qualquer autorização, seja do Corpo de Bombeiros ou da Vigilância Sanitária, para a venda de bebida e comida. A localização só é divulgada após o pagamento da entrada. “No entanto, acompanhando as páginas das bandas, é relativamente fácil descobrir onde eles acontecem. Ou seja, se as autoridades desejassem intervir, poderiam fazê-lo”, explicou.

Em novembro de 2024, a cidade do Porto recebeu um dos maiores eventos europeus do B&H, o concerto “Masters of the Sea”, que marcou o lançamento de um novo CD da Legião Lusitana, reunindo outras bandas de divisões B&H da Europa, como a grega Defenders Oi! Rac.

Membros do B&H de toda a Europa, inclusive do Brasil, participaram do festival. O sucesso foi tanto que a apresentação será repetida em novembro deste ano, consolidando a cidade portuguesa como um “ponto turístico neonazista”.

Cartaz do evento organizado no Porto por grupos neonazistas em novembro de 2024
Reprodução

‘Grande fraternidade’

Sabendo que a maior atividade do Blood & Honour está no Porto, a fonte ouvida por Opera Mundi afirmou que o grupo não pode ser acusado exclusivamente pelo envolvimento no ataque de 10 de junho.

Atualmente, membros do B&H, dos Hammerskins, da Misanthropic Division e do grupo 1143 estão juntos por Lisboa, formando uma “grande fraternidade neonazista”. Uma foto com João Martins, que fazia parte do grupo que atacou o ator no Teatro A Barraca, parece confirmar essa versão.

“O próprio Instagram de João Martins desmente a ideia de que ele tenha se tornado um ‘expoente da extrema-direita’ mais ‘intelectual e moderado’, pois o mesmo continua se orgulhando de fazer parte de grupos terroristas e violentos”, garante o ex-membro do grupo.

João Martins aparece na foto abaixo usando uma camisa da Misanthropic Division, indicando um possível alinhamento com esse grupo neonazista ucraniano. Ao seu lado, há homens com camisetas do Hammerskins e de outros grupos extremistas, reforçando a versão de uma “fraternidade neonazista”.

Reprodução

Em um retrato mais pessoal, João Garcia aparece ao lado de quem nossa fonte identificou como Filipe Marques, demonstrando manter laços estreitos com o grupo B&H. Além disso, a quantidade de fotos com o logotipo do Misanthropic Division confirma o possível alinhamento com a divisão portuguesa do movimento.

Em outra imagem, João aparece usando a camiseta mencionada por uma das testemunhas do ataque de 10 de junho. “Duas pessoas usavam camisetas com as letras AHTR”, que significa “Adolfo Hitler tinha razão”.

Reprodução

O interesse de João Martins por camisetas temáticas revela, inclusive, que ele apoia a Caravana da Morte, uma operação organizada por Augusto Pinochet na década de 1970, responsável por executar 75 opositores do regime chileno ao empurrá-los de um helicóptero.

 

Reprodução

Portugal falha na luta contra o terrorismo online

A Comissão Europeia União abriu processos judiciais contra Portugal devido a deficiências da justiça em combater o terrorismo digital no país. As falhas referem-se a “certas responsabilidades do regulamento sobre a propagação de conteúdos terroristas na internet”.

Vigente desde junho de 2022, o regulamento determina que “conteúdos terroristas sejam eliminados pelas plataformas digitais em até uma hora após o recebimento de uma ordem de remoção emitida pelas autoridades dos Estados-membros”, com o objetivo de “reduzir a propagação de ideologias extremistas e proteger os direitos fundamentais”.

Além de Portugal, Bruxelas também acionará a Bulgária e a Irlanda por não atenderem a “uma ou mais obrigações estabelecidas no regulamento”. Entre essas obrigações estão a nomeação de uma entidade responsável por assegurar a aplicação das normas e o cumprimento delas, bem como a implementação de um canal de contato público para responder a solicitações relacionadas às ordens de remoção.

* Matéria em colaboração com Daniela Abade.