Paquistão vira 'potência ' na energia solar com investimento chinês
Para Fiza Naz Qureshi, da Climate Action Network Internacional, Islamabad tem desafios para consolidar novo cenário energético
Estatísticas divulgados pelo think thank Ember Energy apontam que o governo da China vendeu U$2,09 bilhões (cerca de R$11,29 bilhões) em itens de energia solar para o Paquistão em 2024, transformando país em uma possível nova potência na área. Os dados apresentados a Opera Mundi foram disponibilizados pela paquistanesa Fiza Naz Qureshi, membro da Big Shift Global, campanha da Climate Action Network Internacional que trata das finanças dos combustíveis fósseis e das finanças públicas para redirecionar os investimentos em energias sujas para energias renováveis.
Qureshi resume a estatística, que mostrou que as exportações chinesas multiplicaram em 23 vezes a capacidade instalada de energia solar no país em 2024, ao afirmar que “os painéis solares extras da China estão abrindo caminho para o Paquistão” no assunto das energias renováveis.
Nesse mesmo ano, quase metade (49%) da energia elétrica no Paquistão veio de fontes térmicas (combustíveis fósseis: Gás Natural Liquefeito Regaseificado, carvão e gás). Uma outra parte veio de hidrelétricas (29%) (sendo as represas de Tarbela e Mangla as grandes responsáveis pelo crescimento), fontes nucleares (17%) e energias renováveis (5%) – onde a energia solar está incluída.
A especialista do Climate Action Network também explicou que a grande porcentagem de energia vinda de hidrelétricas ocorreu porque o Paquistão se empenhou em promover uma energia renovável e limpa, com o objetivo final de reduzir a dependência da energia térmica.
A Opera Mundi, ela resumiu os cenários no fornecimento energético do Paquistão em: transmissão, problemas na distribuição, cobranças excessivas, devido à corrupção ou interesses políticos.
Na questão da distribuição, Qureshi explicou que as empresas privadas responsáveis pelo serviço estão “quase sempre” nas megarregiões ou nas megacidades, como Carachi e Laore. Mesmo que algumas regiões não tenham tais empresas, elas têm suas próprias distribuidoras, o que não acontece nas áreas mais afastadas. E tais serviços são fornecidos mediante altos preços.
Por que a energia solar?
O Paquistão enfrenta um problema decorrente de contratos antigos de energia. Desde 1919, o país assinou acordos para comprar energia de fontes independentes. Entretanto, estes geraram altos custos à nação e acabaram por endividar o governo. Por esse motivo, recentemente, cinco dos contratos foram cancelados. Contudo, de acordo com Qureshi, não se trata de um processo fácil porque as empresas podem recorrer a tribunais internacionais e processar o país.
Nesse sentido, a especialista ressaltou a Opera Mundi que a energia solar se consolida como uma solução para o Paquistão, já que ela é mais barata, renovável e não depende de grandes obras, como hidrelétricas. Entretanto, sustentou que o maior problema é a falta de “vontade política, finança e capacidade técnica”.
Qureshi também aponta que as hidrelétricas têm causado problemas no país, uma vez que há conflitos entre a nação e a Índia por causa das águas do Rio Indo que, em grande parte, é controlada pelas autoridades indianas.
As grandes barragens construídas no rio estão secando regiões importantes, como o Delta do Indo, e muitas comunidades próximas estão sendo prejudicadas com a escassez de água. Por esta razão, as pessoas estão sendo obrigadas a migrarem. Segundo a especialista, este fator também inclui um dos motivos pelo qual a população não gosta de energias com base em hidrelétricas, apesar de serem uma fonte de energia renovável.
Sendo assim, a China vem como um caminho para ajudar o Paquistão, já que tem tecnologia e recursos capazes de possibilitar a mudança a uma energia mais limpa.
A corrida pela consolidação da energia solar
Um dos principais problemas enfrentados pelo Paquistão com relação à energia elétrica sobrecarregada é o aumento da população e a consequente alta na demanda. Embora o país tenha expandido a sua rede de transmissão em 878 km e aumentado a sua capacidade em 1.270 MVA, em 2024, as linhas seguem sobrecarregadas, especialmente no trajeto Sul-Norte, explicou Qureshi.
Desta forma, a nação entrou em uma espécie de corrida pela consolidação da energia solar. A população encontrou uma alternativa favorável com a instalação de painéis solares, uma vez que as temperaturas naturais do país podem atingir a marca dos 50°C. Além disso, as renováveis conseguem substituir a energia de rede, que recorrentemente apresenta falhas em sua operação, chegando a provocar apagões de até 48 horas.

Painéis de energia solar em Karachi, no Paquistão
Crosji/Wikicommons
“Devido ao grande volume de exportação da China, os preços dos painéis solares no Paquistão caíram. Por isso, as pessoas estão mais propensas a comprar painéis solares”, disse.
A especialista relatou que antes das grandes exportações chinesas, os painéis solares “estavam disponíveis apenas nas grandes cidades do Paquistão” e que agora “há inclusive investidores privados que compraram painéis solares em grande quantidade e agora estão vendendo no mercado, o que também torna o equipamento acessível na área rural”.
E são justamente nas áreas rurais onde a temperatura atinge seus maiores picos, ultrapassando 45 graus, segundo Quresehi, possibilitando um fornecimento de energia pela luz solar em locais que, por serem afastados, sofriam com a defasagem da distribuição, podendo ficar mais de metade do ano sem fornecimento de energia. “O tempo de queda de carga e as contas pesadas levaram as pessoas a optarem por painéis solares. Elas criaram seus próprios sistemas”.
Mudanças e desafios
Outro apoio que tem permitido a mudança vem do próprio governo paquistanês. Em 2016, a administração do país sob a liderança de Nawaz Sharif (2013-2017) aprovou uma política para conceder isenções de impostos sobre os painéis solares. Três anos depois, o então primeiro-ministro Imran Khan (2018-2022) realizou uma “política atraente de medição líquida” para incentivar os usuários a se adaptarem à energia solar.
“Nessa política de medição líquida, o governo disse que as pessoas que adotassem a energia solar poderiam vender para o governo geração excessiva de energia de seus painéis solares para a rede principal. As mulheres também desempenharam um papel muito significativo nisso, porque no cenário doméstico era muito difícil passar o tempo sem eletricidade em um clima muito quente. Portanto, grandes mudanças estão acontecendo com a energia solar no Paquistão”, afirmou.
Por outro lado, ainda há alguns desafios. Qureshi disse que a maioria das pessoas que instalaram painéis solares no Paquistão o fizeram sem o uso de baterias, ou seja, a energia só é fornecida enquanto há incidência de luz solar, ou seja, durante o dia.
“Depois do pôr do sol, elas estão imediatamente correndo para a rede elétrica. Portanto, há uma grande questão de equilíbrio na rede que, durante todo o dia, o uso da eletricidade é muito menor e à noite, quando as pessoas estão voltando dos escritórios para suas casas e, definitivamente, no período noturno, a maioria das pessoas está usando ar condicionado dentro de suas casas, portanto, a carga na rede aumenta muito durante essas horas de trabalho. Portanto, um grande desequilíbrio foi criado devido a essa corrida solar também”, reconheceu.
Um dos grandes desafios também ocorre porque a fonte de energia “é muito diferente durante o dia e, automaticamente, durante a noite”.
“É preciso ver a infraestrutura, bem como as perspectivas políticas, a gestão, o discurso e o setor privado. Portanto, o Paquistão precisa de uma grande transformação para se adaptar a essa corrida solar. Acho que é uma oportunidade. Embora atualmente pareça um desafio para o governo, é uma oportunidade. […] Se eles forem rápidos e obtiverem a capacidade de alguns especialistas técnicos para lidar com essas questões rapidamente, acho que será uma boa jogada. É uma boa oportunidade para o Paquistão transferir todo esse mecanismo de energia para as energias renováveis. Há um potencial. O país pode até mesmo transferir sua carga básica para as energias renováveis, mas definitivamente precisa de capacidade técnica. Precisam de muitos recursos financeiros”, avaliou.