Nos últimos meses, movimentos estudantis chilenos mostraram sua realidade ao mundo, com grandes protestos reivindicando educação pública gratuita e de qualidade. Incentivaram paralisações dos setores sindicais da sociedade chilena e expuseram o governo de Sebastián Piñera. Desde 2006, com o Movimento dos Pinguins, quando alunos secundaristas protestaram por melhorias na educação, não se via um panorama em tanta ebulição no país.
Leia o perfil de Camila Vallejo em Opera Mundi:
Camila Vallejo: o rosto e a voz da nova geração política chilena
Enquanto o governo não acena com uma proposta ideal para as demandas estudantis, que questionam o excesso da participação privada e a quase total ausência do Estado no sistema educacional, a ordem é continuar com as manifestações, apesar da repressão policial.
Durante os protestos e lutas, despontou uma nova liderança política no país: a jovem Camila Vallejo, presidente da Fech (Federação de Estudantes da Universidade do Chile), tornou-se atualmente a maior dor de cabeça para a administração de Sebastián Piñera.
Em entrevista à Adital, ela afirma que toda essa movimentação chama a atenção para situação do governo, “que se encontra absolutamente isolado, distante da cidadania e de suas demandas”.
Efe (25/08)
Camila também participou das articulações para a greve geral que paralisou o Chile na última semana
Nesta quarta-feira (31/08), Camila estará em Brasília, nde participará do lançamento da Jornada Continental de Lutas da Juventude.
Desde 2006, com o Movimento dos Pingüins, não se via uma mobilização de tamanha envergadura no país. Como você relaciona estes dois momentos?
O movimento social que se manifesta este ano é consequência de todo um processo, muito influenciado pelo Movimento dos Pinguins. Muitos dos universitários que hoje sentem a necessidade de manifestar-se são estudantes que participaram dessas mobilizações. Os secundaristas de hoje sentem que o Movimento dos Pinguins é um legado de antigas gerações, pelo que se tornam rapidamente parte deste movimento social com muita responsabilidade.
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Já em termos mais globais, referentes à sociedade, o Movimento dos Pinguins e outros processos de mobilização de atores da educação destes 21 anos de consolidação do modelo neoliberal no Chile contribuíram para evidenciar a crise que a educação atravessa. Hoje, eles permitem que a sociedade tenha clareza a respeito do tema e também respalde majoritariamente as demandas por uma educação pública gratuita e de qualidade.
As mobilizações obtiveram respaldo e apoio internacional. Esperavam chegar a estas proporções?
É extremamente reconfortante ver as numerosas expressões de apoio e respaldo internacional. Não esperávamos que esta luta fosse ultrapassar as fronteiras do país.
Ocorreram também muitos outros fatos históricos. A convicção de que nossas demandas são necessárias para o país nos permite seguir somando forças dia após dia para continuar lutando.
Da mesma maneira, tem sido importante que outros países vejam o que ocorre aqui. Nossa realidade se distancia bastante da imagem de um modelo exitoso que se tem mostrado para o exterior nos últimos anos. Este é um país com profundas desigualdades, onde temos uma das piores distribuições de renda. Este movimento evidenciou o descontentamento que existe entre os chilenos, que já estão cansados de endividar-se para estudar, de não ter acesso a uma educação de qualidade e tantos outros problemas produto do modelo neoliberal que enfrentamos.
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Tudo começou com demandas da Educação. Hoje, os protestos claramente caminham para outras exigências populares e democráticas. Por que ocorreu essa expansão?
Podemos mencionar vários fatores. Pelo menos dois são muito relevantes. Primeiro: a capacidade que o movimento teve de articular diferentes atores por meio de demandas educacionais. Posteriormente, elas passaram a ter sentido em amplos setores da sociedade. Isto se pode perceber frente ao massivo respaldo do povo nas ruas, nas marchas, nos panelaços, nas pesquisas de opinião, etc.
O segundo é a intransigência do governo, incapaz de dar resposta ao que o país pede: mudanças profundas e radicais na educação. Esta atitude do governo têm feito com que se evidenciem as grandes deficiências do sistema político chileno.
Existe uma falsa democracia que permite que demandas respaldadas por uma grande maioria não se traduzam em políticas públicas. Nossa legislação não permite que os chilenos decidam sobre temas de especial interesse público e nacional como, por exemplo, mecanismos como o plebiscito.
Junto às manifestações veio a repressão. Qual é o cenário real, atualmente, da repressão?
O governo tenta deslegitimar e anular nossas demandas e o movimento por meio de estratégias distintas. Uma delas tem sido a repressão, frente a qual a sociedade tem sido bastante clara em repudiar. Seja por meio de panelaços massivos ou somando-se às manifestações, marchas e atos que realizamos.
Mesmo frente ao forte e incontrolável crescimento do movimento, o governo continua a repressão, impossibilitando marchas pelas principais avenidas da capital ou atacando policiais durante as manifestações. A repressão que teve um momento máximo em quatro de agosto, quando Santiago parecia estar em estado de sítio. Nos impediram de realizar duas marchas que estavam convocadas para esse dia. Frente a isto, temos levantado campanhas para denunciar a repressão policial, e contamos com a colaboração de advogados e estudantes de direito.
Fech/Divulgação
A liderança de Camila ajudou expandir os protestos para além do núcleo estudantil
Mas o movimento tem sido capaz de superar estes ataques e continua convocando mais e mais gente para estas demandas. Mantemos o caráter pacífico das marchas e, na última semana, realizamos uma atividade familiar no Parque O'Higgins com artistas chilenos que nos apóiam. Cerca de um milhão de pessoas assistiram a esse ato.
O movimento estudantil no Chile é atualmente uma grande referência para toda a região. Qual a repercussão deles no governo Piñera?
Há forte repercussão no governo. A aprovação do presidente chegou a 26% (percentual mais baixo já registrado nos 21 anos após a redemocratização). Tampouco foi menos importante que Piñera tenha chamado nove presidentes de partidos políticos para uma reunião em que tratariam do tema. Entretanto, apenas dois compareceram (os de sua coligação).
Pode-se provar por muitos meios que o governo de Sebastián Piñera se encontra absolutamente isolado, distante da cidadania e de suas demandas.
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