MAG, como Marco Aurélio Garcia é chamado pelos amigos, não gosta muito de lembrar a tentativa frustrada de ganhar a presidência do partido. Em 2006, entre os dois turnos das eleições, o escândalo do “dossiê” na campanha de Aloizio Mercadante em São Paulo levou ao afastamento de Ricardo Berzoini da coordenação da campanha para a reeleição de Lula e da presidência do PT. Garcia se licenciou do governo e acumulou os dois cargos.
“Fiz o meu melhor, acho que muitos gostaram do meu trabalho, seja no PT ou na sociedade em geral, mas alguns dentro do partido vetaram minha candidatura”, desabafa, sem oferecer mais detalhes. “Finalmente, Ricardo Berzoini decidiu ser candidato de novo, teve meu apoio”. A decisão de Garcia de abandonar a briga foi percebida por alguns, dentro e fora do partido, como fraqueza. Ele não nega
“Às vezes, a política, mais que idéias ou um projeto claro, exige uma vontade enorme que se confunde com um desejo de poder. Eu confesso que fico assustado. Talvez por isso nunca serei um grande político. Vejo-me um pouco como aquele cara que foi convocado para arrumar os problemas de Roma, e logo depois, voltou à sua pequena fazenda tranqüila”, reflete.
Na verdade, a “fazenda” de MAG não é nem pequena, nem tranqüila. Nomeado assessor especial para assuntos internacionais de Lula no início do governo, em 2003, ele passa o tempo em aviões, acompanhando o presidente nas viagens oficiais, ou sozinho, para tentar desarmar esta ou aquela crise. Uma pequena equipe o ajuda nessa tarefa. Dela faz parte o assistente Bruno Gaspar, ex-aluno que se destacou na Universidade de Campinas. Até no Planalto, o “Professor” não abandona a relação com o mundo acadêmico.
Durante a década de 90, Marco Aurelio foi secretário de Relações Internacionais do PT e um dos criadores do Fórum de São Paulo, fundado em 1990 para reunir partidos e movimentos de esquerda de toda a América Latina. Ao longo dos anos, estreitou laços pessoais com os principais líderes da esquerda na região. Muitos deles integram hoje os governos de seus países, o que lhe deu um acesso privilegiado em toda a região.
“O fato de ele conhecer muito bem a América Latina ajuda nas relações. MAG entende que o Brasil não pode se comportar de maneira imperialista, como era a tendência antes”, avalia Maximilian Arvelaiz, assessor diplomático do presidente venezuelano Hugo Chávez, que lamenta, porém, “a grande moderação de Marco Aurélio sobre alguns temas”. No Brasil, é o contrário. Garcia é visto por grande parte da mídia e alguns diplomatas como um radical. Aliás, é um dos poucos que enfrentam a imprensa abertamente. Já polemizou com Veja, Globo, Folha e vive sendo atacado por colunistas como Reinaldo Azevedo e Merval Pereira.
Seus desafetos no Itamaraty só falam “em off”. Os que já saíram da ativa são mais explícitos. “Nem sempre fica muito claro até que ponto Garcia representa o país ou é ainda o porta-voz do PT”, critica o diplomata aposentado Rubens Ricupero, que em sua longa carreira foi também assessor especial de Tancredo Neves e do presidente José Sarney. Ele cita o exemplo das eleições na Bolívia. “Marco Aurélio foi para La Paz em plena campanha eleitoral, num ato que pareceu um apoio a Evo Morales”. Ex-embaixador brasileiro em Washington e Roma, Ricupero acredita que Lula tenha um estilo de governar semelhante ao de Getúlio Vargas, que gostava de se cercar de pessoas muito diferentes entre si.
Ricupero: “é sempre Lula quem decide”
Nesse esquema, Marco Aurélio cumpriria o papel do esquerdista. “Ele tem autoridade sobre tudo nas relações com os governos progressistas da América do Sul e sobre as questões mais ideológicas, como Israel-Palestina”, avalia Ricupero. Sobre o resto do mundo e temas “mais estratégicos, como as negociações comerciais, é o Itamaraty que prevalece”.
O ex-embaixador acha que essa atuação cria uma confusão no exterior: “A política externa perdeu sua coerência com a multiplicidade de assessores”. Ele conclui que a presença de MAG só serve para “acenar” para a base de partidos progressistas do país, demonstrando que o governo faz uma política de esquerda. “Mas é só retórica, a política do Brasil é pragmática e centrista. E, no final das contas, é sempre Lula quem decide”, alfineta.
Sobre esta última frase, nosso personagem concordaria sem problema. “O Brasil teve um papel central para consolidar as mudanças na América Latina nestes últimos anos. Sem falsa modéstia, fiz minha parte. Mas o único responsável pela política externa é o Lula”, diz o “Professor”, que considera que o sentimento de Lula em relação à América Latina só pode ser comparado com o carinho pelo movimento operário brasileiro.
Leia os demais trechos do perfil:
Parte 1: “Nunca fui trotskista”
Parte 2: PT achou que o poder fosse um “proverbial palácio de inverno”
Parte 4: “Dilma é a minha candidata”
O texto na íntegra
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