Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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O diretor do Centro de Comunicação e Mídia Esportiva da Universidade do Texas em Austin, Michael L. Butterworth fez dois alertas em relação à escolha do Dallas Mavericks, time da National Basketball Association (NBA), localizado no Texas, sobre o jovem jogador Cooper Flagg: o primeiro é que “relação dos EUA com o basquete deve ser entendida pelas lentes da raça”; o segundo é sobre as posições políticas que podem ser propagadas por trás de dois traços específicos da identidade do jovem jogador: Flagg é nascido no país e branco.

Com apenas 18 anos e saindo da Universidade de Duke, o atleta foi selecionado pelos Mavericks como o primeiro da noite no draft, processo anual de escolha de novos atletas para a NBA, na última quarta-feira (25/06).

Ter um “superastro nacional e branco” como ele pode não ser tão importante para os torcedores da NBA, que são bastante diversos quando comparados com as outras ligas esportivas dos EUA, como a Major League Baseball (MLB) e a National Football League (NFL), explicou Butterworth a Opera Mundi.

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“Más há vários aspectos que precisam ser considerados, inclusive a política racial dos Estados Unidos e do Texas [estado bastião dos republicanos, com registros históricos de discriminação racial e atualmente com políticas anti-imigratórias] na era de Donald Trump. Isso sugere que haverá esforços para tornar Flagg representante dos jogadores brancos nascidos nos Estados Unidos”, pontuou o pós doutor em Retórica e Cultura Pública pela Universidade de Indiana.

De todo modo, “isso seria lamentável, tanto porque seria injusto com Flagg [que não apresenta tais inclinações políticas ou racialmente discriminatórias] quanto porque seria uma forma de favorecer nossas piores inclinações quando tentamos ter uma conversa nacional sobre raça”, argumentou o professor.

No entanto, essa conversa não é tão simples. Falar sobre a propagação de posições políticas no esporte por trás das máscaras do patriotismo é uma cultura com raízes antigas nos Estados Unidos. E esse foi justamente o tema da conversa entre Michael Butterworth e Opera Mundi.

Confira a entrevista na íntegra:

Opera Mundi: o senhor poderia falar sobre a relação entre patriotismo e esporte nos Estados Unidos? Qual é a origem dessa associação?

Michael Butterworth: o esporte não tem um significado patriótico inerente, mas não demorou muito para associar o esporte formal e organizado à identidade nacional. A maioria dos principais esportes dos EUA foi desenvolvida na segunda metade do século 19. O beisebol surgiu em meados do século, e ganhou o apelido de “o passatempo nacional” em 1856. Ele foi visto como um símbolo de reunificação e unidade após a Guerra Civil (1861-1865), o que permitiu associações patrióticas. Já em 1862, o Star Spangled Banner [Hino Nacional dos Estados Unidos] foi tocado em um jogo de beisebol, e a música apareceu ocasionalmente durante os jogos da World Series [campeonatos anuais da MLB] nas duas primeiras décadas do século 20. A popularidade da execução da música nos jogos pode ter contribuído para o esforço de reconhecê-la oficialmente como o Hino Nacional dos EUA em 1931. Outros rituais, como o “primeiro arremesso” presidencial, iniciado por William Howard Taft (1909-1913) em 1910, deram mais sentimento patriótico ao beisebol.

Enquanto isso, à medida que os Estados Unidos e a Europa Ocidental se modernizavam e investiam em esportes globais, eventos como as Olimpíadas se tornaram oportunidades óbvias para demonstrar as virtudes nacionais. Desde as primeiras Olimpíadas modernas em 1896, os jornalistas esportivos dos EUA viam os atletas como parte de uma “equipe nacional”. Depois, ao longo das primeiras décadas do século 20, os esportes e os atletas confirmaram ainda mais que o sucesso atlético poderia promover o patriotismo. Há muitos exemplos a serem citados: o esperado triunfo do atleta de boxe norte-americano Joe Louis sobre o alemão Max Schmelling em 1938 após uma derrota em 1936, a “Green Light Letter” de Franklin Delano Roosevelt [documento escrito pelo então presidente dos EUA para a MLB permitindo sua continuidade durante a Segunda Guerra Mundial], e o surgimento do Super Bowl como um feriado nacional.

O que essa relação patriótica nas principais ligas esportivas profissionais do país significa para os cidadãos comuns? Como isso se manifesta na vida cotidiana das pessoas?

Normalmente, os norte-americanos não prestam atenção especial a essa relação. A execução do Hino Nacional faz parte do esporte comercial como um ritual formal e cotidiano desde a década de 1940. Então, simplesmente a consideramos natural. O uso das cores vermelha, branca e azul nos logotipos das ligas é onipresente, portanto, pode não parecer que esteja expressando consistência com as cores da bandeira. E, conforme observado acima, presumimos que os atletas que competem em esportes globais estão fazendo isso, em primeiro lugar, pelo seu país. No entanto, algumas coisas podem atrapalhar isso. Se alguém executa o hino de forma ruim, isso chama a atenção para o ritual. Isso pode levar ao ridículo, mas raramente coloca em dúvida o patriotismo do cantor.

A interrupção mais óbvia é o protesto – a narrativa sobre Colin Kaepernick [ex-jogador de futebol americano que não prestava homenagem durante o hino dos EUA em protesto contra a desigualdade racial no país] e de outros atletas que faziam o mesmo deixa isso claro. Também estamos muito mais atentos ao patriotismo do esporte em momentos de crise – o esporte foi refeito após o 11 de setembro [de 2001, data dos atentados contra as Torres Gêmeas em Nova York], por exemplo, de tal forma que o que era considerado cerimonial em 2001 ou 2002 agora parece “normal”. Uma distinção importante que costumo fazer é entre patriotismo e política.

Os norte-americanos adoram ser patriotas, mas muitos resistem a ser políticos. Eu diria que os rituais e símbolos patrióticos nos esportes são políticos, mas estamos habituados a vê-los como manifestações neutras. Isso permite que a relação entre o esporte e o patriotismo afirme não apenas valores nacionais compartilhados, mas também endosse posições políticas específicas ligadas a esses valores.

Patriotismo no esporte norte-americano pode levar a esforço para tornar jovem atleta Cooper Flagg em representante das “piores inclinações” raciais dos EUA
dallasmavs/Instagram

Falando agora sobre a NBA e o basquete. Sabemos que costumava ser considerado um esporte quando a elite norte-americana estava nos Estados Unidos. Mas agora estamos vivendo em uma época em que os jogadores mais proeminentes da liga são estrangeiros. É possível dizer que essa relação patriótica era mais latente no passado? Por quê?

Nem todos os principais jogadores são de fora dos EUA, mas obviamente muitos deles são. Há vários motivos pelos quais isso pode não representar uma grande preocupação. Em primeiro lugar, o basquete nunca foi visto como um jogo nacional da mesma forma que o beisebol ou o futebol americano são hoje. É certamente popular, mas o patriotismo é mais óbvio durante eventos globais – a inclusão de atletas profissionais nas equipes olímpicas dos EUA, afinal, tem origem no “Dream Team” de 1992, que foi montado em resposta aos resultados decepcionantes das Olimpíadas anteriores. Em segundo lugar, a relação da nação com o basquete deve ser entendida pelas lentes da raça.

O que antes era um esporte predominantemente branco passou a ser definido em grande parte como um esporte negro, algo que provocou várias tensões ao longo das décadas – temores de que o atletismo superasse o jogo fundamental, associações do uso de cocaína nos anos 70 com a criminalidade negra, alegações nos anos 90/2000 de que o hip-hop havia trazido um elemento “bandido” para o jogo e assim por diante. Nesse contexto, a introdução de jogadores europeus pode ser vista de forma diferente, ou seja, embora esses jogadores não sejam norte-americanos, eles geralmente são brancos. Para alguns torcedores, pelo menos, isso é bem-vindo.

Mais do que o basquete, o futebol americano é um esporte que vive no coração dos cidadãos dos EUA. Esse patriotismo muda de acordo com o esporte?

Sem dúvida, sim. Como observei acima, muitas das características patrióticas do esporte norte-americano tiveram origem no beisebol. Mas desde a década de 1960, o futebol americano se tornou o esporte “americano” mais representativo. A NFL, em particular, surgiu por vários motivos, um dos quais é o fato de ter promulgado uma forma de identidade muscular e militante que ressoou durante a Guerra Fria. Essa identidade prospera com demonstrações visíveis de patriotismo e militarismo, que agora caracterizam a NFL de inúmeras maneiras.

Recentemente, o atleta russo Aleksandr Ovechkin tornou-se o maior artilheiro de todos os tempos da National Hockey League (NHL). Feitos como esse colocam em xeque o “orgulho americano” pelo seu esporte?

Apesar da falta de equipes canadenses com bom desempenho nos playoffs da NHL há muitos anos, os norte-americanos veem o hóquei como um esporte do Canadá. Acho que a maioria dos norte-americanos presumiria que os recordes da NHL seriam mantidos por canadenses ou russos. Embora existam bolsões regionais como Massachusetts e Minnesota onde o jogo é amado, há muito pouco senso de que o hóquei contribui para nossa identidade nacional. Há uma grande exceção a isso: a vitória da equipe masculina de hóquei dos EUA sobre a União Soviética e a subsequente medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1980 continuam sendo um marco, tanto como uma reviravolta historicamente significativa quanto como uma narrativa representativa da virtude norte-americana triunfando sobre o vício russo. É uma ironia interessante que, sem dúvida, o momento esportivo mais patriótico da história dos EUA tenha acontecido no hóquei, embora isso possa parecer surpreendente, o fato de termos vencido em um esporte que não é considerado nosso ampliou o significado da conquista.

O público em geral lida bem com grandes estrelas estrangeiras nas ligas norte-americanas? Temos o caso, por exemplo, em que a NBA se orgulha de ser uma liga cada vez mais global, enquanto a imprensa publica textos dizendo que os EUA precisam de um astro que seja nascida nos EUA.

De modo geral, acho que os atletas de fora dos EUA são aceitos, embora não sem complicações. No beisebol, por exemplo, muitas vezes estereotipamos os jogadores da América Latina como sendo egoístas e indisciplinados. Mas acho que a NBA é reconhecida como global de uma forma que nem o beisebol nem o futebol americano são, o que se traduz em mais aceitação. É claro que ajuda quando esses jogadores não são apenas excepcionais, mas também simpáticos. Giannis Antetokounmpo [jogador grego-nigeriano] e Victor Wembanyana [atleta francês], por exemplo, seriam populares em qualquer lugar. Dito isso, a mídia esportiva dos EUA tende a se preocupar abertamente com o “próximo rosto da liga” – levou muito tempo para parar de procurar o próximo Michael Jordan, por exemplo. LeBron James tem sido o rosto da liga há algum tempo, mas esse momento está claramente chegando ao fim [com a proximidade de sua aposentadoria]. Suspeito que há quem se preocupe se um jogador nascido no exterior pode ou não carregar esse título simbólico. Penso, por exemplo, no ceticismo de Stephen A. Smith [analista sobre NBA], há alguns anos, sobre Shohei Ohtani [arremessador e rebatedor japonês dos Los Angeles Dodger] como o rosto do beisebol.

Na NBA, o jogador universitário Cooper Flagg, da Universidade de Duke, se inscreveu no draft e foi selecionado pelo Dallas Mavericks, que foi o time com a primeira escolha do processo. Não é interessante que Flagg se torne o próximo “rosto americano” da NBA, já que ele é branco e nasceu no país?

Por falar em Stephen A. Smith, ele também sugeriu que os Mavericks se beneficiariam com a escolha de um superastro nacional e branco como Cooper Flagg. Não estou totalmente convencido de que isso seja importante para os torcedores da NBA como um todo, que são uma base de torcedores mais diversificada do que a encontrada na MLB ou na NFL. Mas há vários aspectos aqui – a troca de Luka Dončić [em fevereiro, o então time do atleta esloveno, os Mavericks, o trocou em um processo permitido pela NBA, por Anthony Davis, então jogador dos Los Angeles Lakers – uma troca amplamente questionada por toda a comunidade da NBA], os interesses políticos da proprietária do Mavericks, Miriam Adelson, e a política racial dos Estados Unidos e do Texas na era de Donald Trump sugerem que haverá esforços para tornar Flagg representante dos jogadores brancos nascidos nos Estados Unidos. Acho que isso seria lamentável, tanto porque seria injusto com Flagg quanto porque seria uma forma de favorecer nossas piores inclinações quando tentamos ter uma conversa nacional sobre raça.

Como os fãs norte-americanos de esportes que contam com a participação de estrangeiros estão lidando com o isolamento promovido pelo governo Trump e as deportações em massa? É possível que se torne cada vez mais difícil para os novos atletas e suas famílias virem para os EUA, com a qualidade das ligas diminuindo?

Até o momento, não sei se muitos torcedores veem alguma preocupação nesse sentido. A menos e até que as políticas do governo afetem diretamente o que eles estão assistindo, é provável que os fãs vejam o esporte como uma fuga, e não como uma extensão da política de Trump. Há poucas coisas previsíveis sobre Trump, mas ele parece gostar do esporte e de sua capacidade de se associar a ele. Se suas políticas tivessem efeitos negativos sobre essa associação, provavelmente veríamos algum tipo de mudança, que quase certamente seria apresentada como uma manobra política engenhosa.