O distrito eleitoral que vinha sendo representado no Parlamento alemão por Angela Merkel desde 1990 vai mudar drasticamente de mãos. Pela primeira vez, a vaga vai ser ocupada por uma representante do Partido Social-Democrata (SPD), que venceu no domingo (26/09) a disputa pelo mandato contra um candidato da União Democrata Cristã (CDU), a legenda de Merkel.
Anna Kassautzki, a nova deputada do distrito da Pomerânia Ocidental Greifswald 1, na costa nordeste do país, nem era nascida quando Merkel venceu sua primeira disputa pelo assento, e tinha apenas 11 anos quando a conservadora se tornou chanceler federal.
Agora, aos 27 anos, Kassautzki obteve 24,3% dos votos locais. Seu principal adversário era Georg Günther, de 33 anos, que esperava manter o assento para a CDU após a aposentadoria de Merkel. A líder alemã decidiu não concorrer mais a cargos eletivos após 31 anos como deputada e 16 como chefe de governo da Alemanha.
Merkel sempre venceu as eleições neste distrito com facilidade, nunca obtendo menos de 37% dos votos, graças a sua posição proeminente de ministra do governo Helmut Kohl nos anos 1990, líder nacional da CDU a partir de 2000 e chanceler federal em 2005.
Sem Merkel nas cédulas, o apoio nesse distrito com 240 mil eleitores a um candidato da CDU desabou 20 pontos percentuais em relação ao pleito de 2017. Günther, o candidato local dos democrata-cristãos, recebeu apenas 20,4% dos votos.
A “herdeira de Merkel”
Nascida em 1993, Kassautzki é líder distrital dos Jovens Socialistas (Jusos, na sigla em alemão), organização da juventude partidária do SPD. Historicamente, os Jusos funcionam como grupo de treinamento para futuros líderes do partido e rotineiramente exibem posições mais à esquerda que a cúpula do SPD. O atual pretendente do SPD a chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, foi um militante ativo do grupo nos anos 1980, mas posteriormente se deslocou ideologicamente mais para o centro.
A imprensa alemã explorou a vitória de Kassautzki no antigo distrito da chanceler federal pintando a jovem social-democrata como “herdeira de Merkel”, mesmo com ela sendo de um partido diferente e tendo várias ideias opostas à política conservadora.
Kassautzki completou um mestrado em ciência política na Universidade de Greifswald. Ela afirma que começou a atuar politicamente aos 13 anos e foi membro de um grupo antifascista que promove o combate ao extremismo de direita pela educação, e não com violência. Ela se filiou ao SPD aos 19 anos.
Em biografia disponível em suas redes sociais, ela se define como “feminista” e “europeia”.
Em seu site, ela também afirma que defende mais proteção climática e menos desigualdade social. “O fosso entre ricos e pobres está aumentando, com os 10% do topo da nossa sociedade acumulando 75,6% da riqueza total. Se quisermos fazer nosso país avançar, temos que fazer esses 10% no topo pagarem mais, e não cortejá-los”, diz a nova deputada, que também se queixou que grandes empresas como Amazon e Apple pagam poucos impostos.
“Sinto-me extremamente honrada”, disse Kassautzki após a vitória. “Foi um esforço de equipe.”
Sucessão de derrotas dolorosas para a CDU
A perda simbólica do assento de Merkel não foi a única notícia ruim para a CDU. Nacionalmente, o partido registrou a pior votação da sua história.
Figuras proeminentes da CDU também perderam disputas diretas de mandatos de deputado para rivais do SPD.
Entre os conservadores derrotados estão o atual ministro da Economia, Peter Altmaier, e a ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, que chegou a ser promovida por Merkel em 2018 como uma potencial sucessora na Chancelaria.
Anna Kassautzki/Reprodução
Anna Kassautzki, a nova deputada do distrito eleitoral em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental que era reduto de Merkel
A ministra da Agricultura, Julia Kloeckner, também perdeu a disputa direta num distrito eleitoral do estado da Renânia-Palatinado. O chefe de gabinete de Merkel, Helge Braun, foi outro derrotado numa eleição distrital no estado de Hessen.
Dependendo dos cálculos da divisão de cadeiras do Parlamento para cada partido, alguns deles ainda podem ter chances de garantir um assento.
No complexo sistema eleitoral alemão, os eleitores votam duas vezes: diretamente num candidato para representar seu distrito eleitoral e depois num partido, que por sua vez elabora uma lista de candidatos aos quais serão distribuídos esses votos.
Algumas vezes, candidatos derrotados ainda conseguem obter mandatos no Parlamento se a votação para o partido for expressiva e eles estiverem no topo das listas partidárias.
Esse foi, por exemplo, o caso da líder do Partido Verde Annalena Baerbock, que perdeu uma disputa direta pelo distrito de Potsdam para o social-democrata Olaf Scholz, mas ainda assim vai garantir mais um mandato como deputada federal porque seu nome também está no topo da lista partidária dos verdes.
Próximo governo em aberto
Mesmo com esses maus resultados, o líder nacional da CDU e pretendente a chanceler Armin Laschet continua a afirmar que seu partido vai tentar formar e liderar um novo governo alemão.
Os resultados no pleito de domingo indicaram uma leve vantagem nacional para o SPD, mas a formação de um governo vai depender da costura de uma coalizão com outros partidos, num processo que pode se arrastar por meses. Nesta fase, os conservadores da CDU ainda têm alguma chance de prevalecer sobre seus rivais social-democratas, que também se veem obrigados a negociar alianças com outras legendas.
Laschet não arriscou disputar um mandato direto de deputado federal no distrito que engloba Aachen, cidade do oeste do país que é seu reduto eleitoral e que ele representa como deputado estadual no Parlamento da Renânia do Norte-Vestfália.
O político preferiu a opção mais segura de limitar a inclusão do seu nome à lista partidária da CDU – uma decisão inédita para um candidato a chanceler do partido. Ao evitar disputar um mandato direto, Laschet parece pelo menos ter evitado mais um vexame para seu partido, já que a eleição federal no distrito de Aachen terminou com a vitória de um candidato verde, que ficou seis pontos percentuais à frente de um concorrente da CDU.