Credores externos reduziram significativamente a dívida do Haiti neste mês. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial cortaram parte do débito do país caribenho, e o Clube de Paris perdoou o valor integralmente.
A iniciativa dos credores externos deve beneficiar o país nos próximos anos, mas está longe de ser a solução para os problemas do país mais pobre do continente americano, de acordo com Camille Chalmers, presidente da Papda (Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo) em entrevista ao Opera Mundi.
A redução da dívida, conforme afirmam os credores, deve favorecer o desenvolvimento de uma economia sustentável no país. O grande problema, segundo Chalmers, é que essa medida não tira o problema da dívida, mas cria uma dependência. “O que pedimos é o cancelamento total. A redução é parcial e essa dívida voltará a ser cobrada num prazo de dois anos”, explica.
O alívio do débito, que combina o cancelamento do principal do empréstimo e de pagamentos de juros futuros, foi anunciado neste mês. O Clube de Paris, que reúne 19 países credores, anulará os 62,73 milhões de dólares que o Haiti devia à entidade. A redução feita pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo BID somam 1,2 bilhão de dólares.
“É uma hipocrisia. Esses supostos ‘doadores’ exigem em troca uma dependência deles. Já anunciaram novos investimentos no país, o que mantém a debilidade do Estado e da economia haitiana”, afirma a presidente da entidade que reúne os grupos que reivindicam melhores condições para o país.
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O tamanho da dívida
Até então, o país destinava 80 milhões de dólares por anos anuais para o pagamento da dívida, quantia que daria para aliviar a situação das vítimas da série de furacões que atingiram a região em 2008, além de ajudar na reconstrução do país, avalia Chalmers.
O governo haitiano mantém o pagamento dos juros e libera proporcionalmente seis vezes menos dinheiro para a reconstrução do que o necessário.
É por diminuir a quantidade destinada mensalmente aos credores, Ernesto Bafile, coordenador geral da ONG Medicins Du Monde no Haiti, acredita que o alívio não poderia ter vindo em momento melhor, pois permitirá que o governo invista mais em políticas sociais. “É um benefício em curto prazo, mas deve ajudar nos próximos dois anos”.
Até então, o país possuía uma dívida de 1,6 bilhões de dólares. Cerca de 90% dela é com as instituições financeiras multilaterais, como BM, Bid e o FMI.
Combate à pobreza
O motivo do perdão parcial da dívida se deve à uma série de reformas adotadas pelo governo haitiano nas áreas da administração de recursos, saúde pública e educação, enfatizando o combate à pobreza.
O Haiti é o vigésimo sexto país em desenvolvimento a obter o cancelamento parcial da dívida por ter alcançado as metas do plano para os países pobres altamente endividados, como já aconteceu com Moçambique, por exemplo.
O país designou 20% dos recursos disponíveis para educação e criou um mecanismo de financiamento escolar que permitiu o ingresso de 50 mil novos estudantes às escolas. Na área da saúde, o governo instalou um programa de tratamento e prevenção do HIV e melhorou o sistema de vacinação.
Como relatou o economista argentino Federico Villalpando, a nação caribenha não oferece aos cidadãos os serviços básicos como educação, saúde, acesso à infraestrutura, acesso à água ou segurança pública.
“Um exemplo: cerca de 90% da oferta de educação é privada, incluindo escolas de alto nível ou iniciativas voluntárias”, disse o economista, que trabalhou nos dois últimos anos em Porto Príncipe, num programa de cooperação econômica.
Obstáculo histórico
A dívida externa é no Haiti um “problema de longo alcance, que sempre esteve presente”, como define Chalmers. Apesar de ter início com a ex-metrópole – a França – que exigia indenizações pelos escravos perdidos na independência (1804), o período da ditadura dos Duvalier, que durou de 1957 a 1985, é crítico para a aquisição da dívida – 45% do valor atual foi contraído naquele período.
Em 1980, o FMI emprestou 22 milhões de dólares ao Haiti. Em poucos dias 16 milhões de dólares saíram do caixa do governo para contas pessoais da família Duvalier e outros 4 milhões de dólares foram depositados para uma organização paramilitar.
Esse valor duplicou entre 1996 e 2003.
De 2004 a 2005, em meio à crise que derrubou o então presidente Jean-Bertrand Aristide, 22% do orçamento do governo foi destinado ao pagamento de dívida.
Entre 2005 e 2006, a soma do pagamento dos juros mais amortizações somaram 69,2 milhões de dólares, o dobro do valor destinado à saúde pública: 33,3 bilhões de dólares. De 2006 a 2007, essa mesma soma consumiu 71 bilhões de dólares dos cofres haitianos.
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