A população indígena do departamento (estado) de Amazonas, no Peru, não é a única que pede por justiça e aguarda a investigação dos confrontos do dia 5 de junho nas cidades de Bagua e Imacita, onde morreram nove policiais e 24 índios. Na semana passada, em Lima, parentes de sete policiais mortos no conflito pediram que o governo indenize as famílias e puna os responsáveis pela operação que tirou a vida dos militares.
Até agora, há três relatórios parciais sobre o caso de Bagua: um da Defensoria do Povo (a ouvidoria nacional peruana), outro do relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas), James Anaya, e o terceiro, da Anistia Internacional. Com a demora na conclusão dos fatos, alguns parentes de policiais começaram a agir por conta própria e a procurar provas e testemunhas que ajudem na prisão dos que comandaram a operação em Bagua.
Desde o dia 4 de junho, a delegacia de Bagua se encontra abandonada
As indenizações aos familiares dos policiais mortos foram oferecidas pela ex-ministra do Interior Mercedes Cabanillas e pelo o novo ministro, Octavio Salazar. No entanto, Renán Delgado, pai de Rely Delgado Sánchez, suboficial assassinado no confronto, explicou que uma resolução da Polícia Nacional negou a ele e à esposa a pensão do filho, porque alega que os dois são professores e já recebem salários do Estado. “Os ministros prometeram e não estão cumprindo”, protestou Delgado.
Ronny García, irmão do suboficial José Alberto García, também morto na operação, disse em coletiva de imprensa que a mãe é doente e tem dificuldades para conseguir dar entrada na documentação da pensão. “Quando foi [efetuar o pedido], sofreu maus tratos. Um dia disseram a ela: trabalhe se quiser dinheiro”, contou.
Luciana Dekentai, moradora de uma comunidade próxima a Imacita, diz que o irmão e o tio estiveram no confronto, mas sobreviveram porque serviram ao Exército na Guerra do Cenepa e, segundo ela, sabiam se defender. Em Imacita, cidade que fica a quatro horas ao norte de Bagua, perto da fronteira com Equador, índios mataram seis policiais numa estação de petróleo da PetroPeru, depois de ouvir pelo rádio que ‘irmãos índios’ haviam sido mortos em Bagua, na manhã do dia 5 de junho.
“Até agora [eles] estão machucados, usam plantas para se curar e ainda não conseguiram voltar ao trabalho”, afirmou Luciana, retratada na foto acima. Ela disse ainda que a população impediu o funcionamento da estação de petróleo por um mês. Mesmo assim, os manifestantes não conseguiram chamar a atenção do governo nem da mídia para o problema. “Por isso, decidiram ir a Bagua, onde há jornais, correspondentes, para serem ouvidos”, explicou.
Flor Vásquez, esposa do comandante Miguel Montenegro, denunciou que os sobreviventes do confronto não podem falar publicamente, mas que ninguém defende os direitos dos militares. “Alguns têm voltado ao trabalho com feridas abertas, sem atenção psicológica, sem descanso médico porque podem perder [o emprego] se não voltarem ao serviço”.
O oficial Montenegro foi quem assinou com líderes indígenas um documento de “não agressão” na estação da PetroPeru, em Imacita, acordo este que não foi respeitado pelo oficial que estava no posto na data do conflito.
Histórico de guerras
Muitas famílias da província de Bagua, na selva norte do Peru, tiveram filhos envolvidos em combate no conflito contra Equador, em 1995, durante o governo de Alberto Fujimori. Boa parte dos soldados do Exército era formada por índios dos povos awajún e wampis. Apesar da familiaridade com a guerra, os moradores de Bagua estão assustados. “Eu combati em Huampami, na fronteira, mas o que aconteceu no dia 5 de junho foi muito pior”, disse ao Opera Mundi Ever Bravo, jornalista de Ahora, informativo de Bagua.
Ronald Espinoza, comunicador do Vicariato de Jaén, acompanhou de perto a paralisação na Amazônia desde maio e o confronto de 5 de junho. “A população das comunidades de Wawás, Nazaret, Imacita pede investigação porque ainda há desaparecidos. Eles não querem dizer os nomes porque temem ser presos ou perseguidos”.
Uma moradora de Imacita, que atua em um projeto de artesanato comunitário e pediu para não ser identificada, comenta que a população local está indignada. “É a primeira vez que vimos um dano como este. O povo tem sido surpreendido. Segundo a Constituição, tínhamos de ser consultados sobre essas leis”, disse.
Os confrontos em Bagua aconteceram no dia 5 de junho, quando indígenas da região amazônica exigiram a revogação de leis aprovadas em 2008 que ameaçavam seus territórios. Trinta e quatro pessoas morreram durante os enfrentamentos entre índios e policiais. Após um longo debate, o Congresso peruano aprovou a derrogação dos decretos legislativos 1090 e 1064, por 82 votos a favor, 14 contra e nenhuma abstenção.
*Texto e foto
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