Em 2006, quando tomou posse, o presidente boliviano Evo Morales costumava dizer que se sentia “algemando” pelas leis neoliberais da Bolívia e a única maneira de se libertar seria reescrever a Constituição. Com a vitória no referendo de ontem (25), as algemas viraram passado. O resultado oficial ainda não foi divulgado, mas pesquisas de boca-de-urna apontam que 60% dos bolivianos votaram a favor da reforma.
“Hoje o neoliberalismo se foi”, disse Morales na noite de ontem. “Nossos recursos naturais não serão mais leiloados, foram recuperados para sempre. Nenhum futuro presidente será capaz de entregá-los novamente às multinacionais”.
O texto da nova Constituição é uma miscelânea de idéias econômicas, que combina garantias para todos os modelos de economia – comunitário, estatal, privado ou cooperativo – à proibição dos monopólios.
Isso levou a oposição a dizer que a Bolívia estaria caminhando para algo entre a anarquia e o comunismo. Mas o governo rebate, dizendo que busca privilegiar a construção de uma economia mais integrada, que permitirá ao boliviano comum assegurar sua sobrevivência e a de sua família.
Alguns enxergam riscos em potencial. Com a aprovação da Constituição, “o governo terá maior habilidade para intervir na economia”, escreveu na semana passada Erasto Almeida, especialista boliviano da consultoria de risco político Eurasia Group. “Os investidores dos setores de serviços públicos e ferroviários enfrentam riscos frente aos planos de nacionalização do governo”.
Mas esse risco pode ser atenuado por outros fatores, conforme o próprio Almeida assinalou. Com a crise econômica mundial e o fato de este ser um ano eleitoral na Bolívia, Morales deve amenizar seu posicionamento. O governo, até agora, não anunciou medidas econômicas radicais.
Mark Weisbrot, diretor do Washington DC Center for Economic and Policy Research, acredita que a reforma constitucional pode aumentar a estabilidade econômica e os investimentos estrangeiros na Bolívia.
“Os investimentos estrangeiros estiveram em compasso de espera, pois as companhias aguardavam para ver se Morales duraria ou se conseguiriam negócios melhores com alguém que o substituísse”, explica. “Mas como Morales demonstra ter cada vez mais popularidade, empresas eventualmente cederão, como cederam com [Hugo] Chávez. Quase todas as petrolíferas negociam com o presidente venezuelano, mesmo quando não querem. As companhias estrangeiras aprenderão a dialogar com Morales”.
Quanto aos hidrocarbonetos, a Constituição é clara: todas as empresas estrangeiras “estarão submetidas à soberania do Estado, à dependência das leis e das autoridades do Estado”.
No entanto, o governo diz que esta posição visa somente solidificar as ações do passado. “O que a nova Constituição faz é constitucionalizar a nacionalização do gás como fundamento teórico, no sentido de que o Estado controla os setores estratégicos da economia,” afirmou Carlos Romero, ministro do Desenvolvimento Rural da Bolívia, em 18 de janeiro deste ano.
Portanto, Weisbrot não enxerga nenhum risco extra para países como o Brasil, que tem forte participação no setor de gás boliviano. “A Bolívia já estabeleceu o controle que desejava e um acordo foi atingido”, disse por telefone ao Opera Mundi, de Washington. “Não vejo o governo adotando uma linha mais dura com a Petrobras nos próximos meses”.
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