A Polícia Federal (PF) indiciou nesta quinta-feira (04/07), o ex-presidente Jair Bolsonaro na investigação que apura se ele teria se apropriado indevidamente de joias milionárias presenteadas ao governo brasileiro quando ele ainda estava na Presidência da República.
Os crimes que constam no indiciamento de Bolsonaro são associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (apropriação de bens públicos).
Outras 11 pessoas também foram indiciadas, entre estas, o ex-ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, Bento Albuquerque; o ex-secretário de Comunicação e atual advogado do ex-presidente, Fabio Wajngarten, e o também advogado Frederick Wassef. Eles respondem por crimes como peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
A lista de indiciados também inclui o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid (por associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro) e seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid (lavagem de dinheiro e associação criminosa).
Bolsonaro sempre negou quaisquer irregularidades. Seu advogado Paulo Cunha Bueno optou por não se manifestar até ter acesso ao documento da PF.
O relatório final com conclusões e detalhes sobre os indiciamentos – no qual não há pedidos de prisão preventiva ou temporária dos indiciados – será encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso.
O magistrado deve então enviar o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), que vai decidir se há evidências suficientes para pedir o indiciamento de Bolsonaro, ou se o caso deve ser arquivado ou se serão necessárias novas diligências.
Se PGR decidir pela denúncia, os procuradores podem modificar a lista de crimes atribuídos ao indiciado para mais ou para menos. Na próxima etapa, caberá ao STF decidir se torna os acusados réus, se arquiva ou encaminha os casos à primeira instância.
Relembre o caso das joias
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal joias inicialmente avaliadas em cerca de R$ 5 milhões que teriam sido presentes da Arábia Saudita ao ex-presidente e a sua esposa, Michelle Bolsonaro.
As joias foram apreendidas quando uma comitiva do governo Bolsonaro retornava ao Brasil após uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021. As peças estariam na mochila de um militar que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque.
Segundo o documento da Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, o militar da comitiva de Bolsonaro disse não ter nada a declarar, mas, ao passar pela alfândega, um fiscal solicitou que ele colocasse sua mochila no raio-x, onde “observou-se a provável existência de joias”. A bagagem então foi revistada, e os agentes encontraram um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes. Os objetos foram apreendidos.
De acordo com o documento, o militar informou o ocorrido ao ministro Bento Alburquerque, que tentou liberar as peças alegando se tratar de um presente para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A Receita, porém, manteve a apreensão.
Em depoimento à PF, Albuquerque mudou sua versão e negou que tivesse conhecimento sobre o destino final das peças.
O que justificou a apreensão
De acordo com a lei, para entrar no país com mercadorias adquiridas no exterior com valor superior a 1 mil dólares (pouco mais de R$ 5,4 mil), o viajante deve declarar o bem e pagar um imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Caso tenha omitido a declaração, para a liberação do bem, além do pagamento do imposto é aplicada uma multa adicional de 25% do valor.
Dessa forma, para reaver as joias, Bolsonaro deveria desembolsar cerca de R$ 12 milhões.
Uma alternativa para a entrada legal das joias no Brasil, sem o pagamento de impostos, seria por meio de uma declaração do governo de que as peças eram um presente oficial para o Estado brasileiro. Nesse caso, porém, as joias passariam a ser propriedade do Estado.
Tentativas de reaver as joias
O governo Bolsonaro teria feito várias tentativas de recuperar as joias, mobilizando os Ministérios da Economia, Minas e Energia e das Relações Exteriores. Numa delas, em 3 de novembro de 2021, o Ministério de Minas e Energia teria pedido a intervenção do Itamaraty no caso. A Receita, porém, informou que isso só seria possível se fosse feito o pagamento do imposto e da multa.
Em outra tentativa de recuperar as peças ainda em 2021, o governo Bolsonaro teria alegado que as joias seriam analisadas para incorporação “ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”. A justificativa aparece num documento divulgado nas redes sociais pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social Fabio Wajngarten, após a revelação do caso.
Um ofício do gabinete de Bento Albuquerque também de 2021 pedia a liberação dos “presentes retidos”, ao alegar ser “necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”. O documento, no entanto, não menciona o destino que seria dado às joias.
Poucos dias antes do fim do governo, em 28 de dezembro de 2022, outra tentativa de recuperar as joias teria sido feita. O próprio Bolsonaro teria enviado um ofício para a Receita pedindo a liberação dos bens.
No dia seguinte, um funcionário do governo foi a Guarulhos para tentar, sem sucesso, recuperar as peças, argumentando que elas não podiam ficar retidas devido à iminente mudança de governo.
Em dezembro de 2022, Bolsonaro também teria conversado por telefone como então chefe da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes sobrea liberação das joias.
Gomes teria pressionado os servidores de Guarulhos para liberarem a entrega das peças ao ex-presidente.
Bolsonaro não cumpriu ritos
A Receita Federal informou que não foram cumpridos os ritos necessários para incorporar ao patrimônio da União as joias trazidas da Arábia Saudita, apesar de ter orientado o governo Bolsonaro sobre o processo para a regularização das peças.
“A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a serem destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso”, afirmou a Receita em nota. “Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público.”
O órgão informou ainda que o prazo para a regularização dos objetos terminou em julho de 2022, e destacou que todos os brasileiros, “independentemente de ocupar cargo ou função pública”, estão sujeitos às mesmas leis aduaneiras.
“Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo”, diz a nota.
Mais presentes da Arábia Saudita
Outros presentes enviados pela Arábia Saudita teriam sido entregues a Bolsonaro. Documentos mostram que um pacote com relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário islâmico não foi interceptado pela Receita Federal em outubro de 2021.
Os objetos estariam na bagagem de outro integrante da comitiva de 2021 e só foram repassados para o ex-presidente em novembro do ano passado. As peças foram entregues pelo então assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teria recebido pessoalmente um segundo pacote de joias da Arábia Saudita trazido pela comitiva, de acordo com o depoimento de uma funcionária do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) à Polícia Federal.
As joias teriam entrado ilegalmente no país em outubro de 2021 na bagagem de Bento Albuquerque. De acordo com o depoimento da então coordenadora do GADH Marjorie de Freitas Guedes, em meados de outubro de 2021, foi aberto um processo no sistema referente aos trâmites relacionados aos presentes. O cadastro, porém, foi aberto ainda antes da comitiva do Ministério de Minas e Energia ter retornado ao Brasil da Arábia Saudita.