Samir cansou de pegar o metrô para atravessar Paris todas as noites. “Até parei de contar o número de vezes que me pararam para pedir documento”, lamenta o jovem francês, filho de imigrantes norte-africanos.
Samir tem 19 anos, é pardo, gosta de vestir calça jeans grande demais, que deixa à mostra a cueca colorida. É o tipo de vítima preferencial da polícia parisiense, segundo o primeiro estudo científico sobre a relação entre a discriminação por aparência física e os controles de identidade.
Organizada pelo CNRS (Conselho Nacional de Pesquisa Científica, um organismo público), em colaboração com o Open Society Institute, uma fundação do bilionário norte-americano George Soros, a pesquisa foi feita a partir da observação do trabalho dos policiais nas estações de metrô Châtelet-Les-Halles e Gare du Nord, no centro da capital francesa, entre outubro de 2007 e maio de 2008.
Conclusão: a probabilidade de ser parado pela polícia é seis vezes maior para um negro que para um branco. Para um árabe (ou alguém percebido como tal), a diferença é ainda maior: 7,8 vezes mais alta.
Hip-hop e funk
A roupa é outro critério de escolha. Pessoas que gostam de estilos jovens e urbanos, como o hip-hop, o punk ou o gótico, são mais revistadas que as outras. Apesar de representarem somente 10% dos usuários do metrô, elas constituem 47% dos controles de identidade.
Em compensação, o fato de levar uma mochila muito pesada, que poderia conter uma bomba, não constitui um critério para ser controlado. No entanto, prevenir um atentado é em teoria a tarefa principal do plano “Vigipirate”, que justifica a presença policial no transporte público.
“Isso confirma que os controles de identidade feitos pela polícia dependem principalmente da aparência. O que importa não é o que as pessoas estão fazendo, mas quem são, ou parecem ser”, afirmam os pesquisadores Fabien Jobard e René Lévy, do CNRS. “Dessa maneira, os policiais estão perpetuando os estereótipos sociais e raciais”, acrescentam.
Eles lembram as explosões de violência que ocorrem desde outubro 2005 nos subúrbios franceses. Naquela época, centenas de carros foram incendiados por jovens filhos de imigrantes revoltados pela morte acidental de dois adolescentes, que se eletrocutaram numa subestação de energia. Eles estariam tentando se esconder da polícia.
Com respeito
O estudo do CNRS não percebe, porém, diferença de tratamento na maneira de fazer perguntas ou de revistar os bolsos e as mochilas segundo a aparência das pessoas. Interrogadas depois do controle, somente 3% das pessoas declaram ter sofrido um tratamento racista ou insultante. A grande maioria (76%) acha “neutra” a atitude dos funcionários da polícia, e 6% a qualifica de “respeitosa”.
Os autores do estudo concluem que não é o controle que molesta, mas o fato que para as chamadas “minorias visíveis”, acontece de maneira muito repetitiva. E ressaltam os “efeitos deletérios” sobre as relações entre a policia e a população. “Eles perdem confiança no sistema de justiça penal francesa”, lamentam Jobard e Levy.
As autoridades policiais, que receberam cópia do estudo, asseguraram que leram com “interesse” os resultados da pesquisa. “Pode nos ensinar algumas coisas”, declarou Marie Lajus, a porta-voz da polícia de Paris. “Mas tem que lembrar que o trabalho de um policial é empírico, e fundado sobre a aparência, a idade, o sexo e a origem geográfica. Nossa missão é prevenir crimes e delitos, não representar a população”.
O Open Society Institute, que conduz vários estudos similares em outros países, fez algumas recomendações para corrigir esta percepção. Segundo a fundação, os policiais deveriam registrar o perfil racial das pessoas controladas, para poder, depois, evitar a parcialidade do trabalho, uma prática proibida pela lei francesa.
Leia a íntegra do estudo aqui.
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