O drama da imigração ilegal chamou a atenção recentemente com o caso de uma mulher que deu à luz em uma balsa de imigrantes ilegais africanos que tentavam chegar à costa espanhola. A Espanha é uma das principais portas de entrada de imigrantes para a Europa, vindos tanto da África quanto da América Latina.
Mas a grande maioria dos imigrantes que conseguem chegar ao território espanhol acaba expulsa, sendo explorada como mão-de-obra barata ou sofre maus tratos e até mesmo tortura em algum dos nove centros de internação de estrangeiros no país. Uma situação que, longe de melhorar, piora a cada dia, como afirmou ao Opera Mundi Eduardo Romero, especialista espanhol em imigração e autor do livro recém-publicado “Um desejo apaixonado por um trabalho mais barato e serviçal”.
Como o senhor se interessou pelo tema da imigração ilegal?
Há oito anos, formamos um coletivo social em Astúrias (norte da Espanha) chamado Associação Chambalache. A imigração não era um tema central. Onde vivo, os imigrante são menos de 5% da população. Mesmo assim, logo vimos perseguições, batidas racistas em pontos de ônibus, de trem, nas ruas, e abusos cometidos nos porões das delegacias. Um imigrante africano nos contou que atiravam a comida ao chão para que os negros comessem. Também há casos em que a polícia municipal espanca e persegue vendedores ambulantes que trabalham sem documentos. Sentimos o dever de denunciar isso.
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Em seu livro, você diz que a política de imigração é uma espécie de reforma trabalhista encoberta.
A política migratória da Espanha e da União Europeia se apresenta como algo inovador, mas é muito similar à gestão das migrações na Europa no século XX e em parte do século XIX. Por exemplo, em um famoso discurso, o general francês Charles de Gaulle pediu às francesas que tivessem dois milhões de lindos bebês: milhões de pessoas tinham morrido na Europa e, em 1945, havia uma expectativa de crescimento econômico. Esse crescimento, no fim, só foi possível graças a milhões de imigrantes da Espanha, Itália, Turquia e das ex-colônias francesas.
Na Espanha, durante o boom econômico de 1994 a 2007, foram criados oito milhões de postos de trabalho assalariados, passando de 12 a 20 milhões, um salto que só foi possível com a incorporação em massa de mulheres nativas e o recrutamento em massa da população imigrante, que passou de um milhão em 2000 a 5,7 milhões hoje. A existência de uma bolsa de imigrantes clandestinos ao lado de milhões de imigrantes com documentos dispostos a exercer os piores empregos foi um elemento central por trás do crescimento econômico na Espanha, concentrado em setores intensivos em força de trabalho barata, como construção, turismo e agricultura em estufa no Levante e no sul.
Mas a Espanha e a UE não parecem querer frear esta situação por meio das expulsões de imigrantes?
Não se trata disso, a política migratória europeia é uma farsa. As expulsões não são um mecanismo para reconduzir os fluxos migratórios, e sim uma maneira de provocar medo e insegurança para que os dois milhões ou mais de imigrantes que não têm documentos ou permissões temporárias de trabalho em território espanhol sintam a ameaça da possibilidade de expulsão. Na Espanha, há cerca de 13.000 expulsões por ano, o que não significa nada em termos estatísticos.
O que acontece com os imigrantes que chegam de bote, por exemplo, às Ilhas Canárias?
Ao chegar, são imediatamente detidos em centros de internação para estrangeiros (CIE). Alguns são expulsos nas semanas seguintes, mas em outros casos não existe convênio de repatriação com seus países, ou não é possível determinar sua nacionalidade, ou não é econômico fretar um voo para esse lugar de origem. Então, quando acaba o período máximo de internação de 60 dias e não se pode retê-los por mais tempo, são feitos voos das Canárias à península, para onde os imigrantes viajam sob escolta policial e depois são abandonados à própria sorte em alguma cidade espanhola.
No caso dos CIE na península, quem esgota o período de internação precisa ser libertado e volta à situação de clandestinidade, carregando uma ordem de expulsão que não foi revogada com a passagem pelo CIE. Assim, é quase impossível conseguir documentos, pois a ordem de expulsão não permite. Frequentemente, os imigrantes passam várias vezes pelos centros de internação. Muitos já estão há três, quatro anos na Espanha, não se trata só de recém-chegados.
Então qual é o sentido disso?
Justamente – o único sentido que vemos é o de criar uma situação de insegurança entre os imigrantes.
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Qual é a situação nos nove CIE na Espanha?
Há maus tratos físicos e psicológicos, as condições de vida são terríveis. Por exemplo, há mulheres que sofreram abortos por causa das condições de ansiedade e de vida, existem celas de isolamento nesses centros, que supostamente não são carcerários, e às vezes as pessoas recebem atendimento médico nos corredores porque não há lugar adequado. As mulheres em Aluche, em Madri, relatavam que não podiam ir ao banheiro à noite, e por isso tinham de pendurar os sacos com suas fezes na janela que dava para o pátio. Como esses sacos caíam no chão durante a noite, pela manhã as mulheres tinham de passear por onde eles haviam caído.
O mais grave são as torturas, os abusos sexuais que ocorreram no centro de Málaga. Quando as mulheres denunciam isso, são imediatamente deportadas. Têm ocorrido protestos nos CIE. Quando estive na Catalunha, havia uma greve de fome no centro de Barcelona. Muitos foram deportados para que o protesto acabasse.
Tem havido melhoras?
De modo algum. Anunciam-se reformas – a regulamentação da nova lei para estrangeiros aprovada em 2009, que ainda não foi feita e seguramente não o será até 2011, inclui regras mais detalhadas para os CIE. Será permitida a entrada de organizações sociais independentes, mas até agora só entraram entidades ligadas ao Estado que não garantem nenhuma transparência.
A situação dos imigrantes ilegais na Espanha é diferente de outros países europeus?
Os CIE se espalharam por toda a Europa. A UE aprovou a chamada diretriz da vergonha, que estabelecia como limite de internação um período de 18 meses. Assim, eu não distinguiria na UE entre países que são mais duros e países que são mais brandos. Sem falar nas cadeias totalmente ilegais para imigrantes em todo o norte da África, endossadas por acordos com a UE, como aquele entre a Itália e a Líbia, que inclui até sacos para cadáveres.
O senhor prevê um retorno em massa de imigrantes por causa da crise econômica na Europa?
No início dos anos 1970, com a crise do petróleo, surgiram vozes a favor do retorno em massa de imigrantes de países europeus desenvolvidos, como Alemanha, Suíça e Reino Unido, mas isso não aconteceu. A maioria ficou porque já se havia reunido com suas famílias e conseguido permissões de trabalho. Às economias desenvolvidas europeias também interessava que eles ficassem, pois uma das respostas à crise é desvalorizar mais as condições de trabalho.
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Agora acontece algo semelhante. Há quem exija um retorno em massa. Alguns voltam, mas a maioria ficará, pois politicamente é complicado levar a cabo esse retorno, e a economia espanhola não tem outra maneira de competir neste sistema de capitalismo competitivo em escala mundial a não ser continuar desvalorizando as condições de trabalho tanto de nativos quanto de imigrantes. E ter uma bolsa de trabalhadores imigrantes dispostos a trabalhar em condições especialmente miseráveis continua sendo atraente. Além disso, na Europa, as autoridades estão preocupadas com o envelhecimento da população e veem a imigração como um processo para conter isso.
Há alguma solução?
Nós não idealizamos a imigração nem decidimos que quanto mais, melhor. As migrações geram conflitos. Acreditamos que é preciso garantir a livre mobilidade de pessoas no mundo, mas elas também deveriam ter direito a permanecer em sua própria casa em condições de vida dignas. Para que isso seja possível, sem dúvida é necessário pôr fim ao sistema capitalista que obriga milhões e milhões de pessoas a fugir de seus locais de origem.
As migrações ocorrem, sobretudo, porque criamos um modelo espoliador dos recursos dos países de origem, obrigando as pessoas a ir à Europa para tentar a vida. Assim, nos parece bom que os conflitos ocorram não só no Congo, Sudão, Somália, mas também nos bairros europeus, para que esse modelo seja posto em questão. Por exemplo, muitos dos imigrantes senegaleses que vendem discos nas ruas de cidades europeias eram pescadores, e seus recursos foram espoliados pelas frotas pesqueiras europeias. É um escândalo.
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