Sexta-feira, 18 de abril de 2025
APOIE
Menu

Quase todo mundo acorda pensando nele, tem gente que passa o dia com ele, tem até gente que não dorme sem ele: o café. A convivência do brasileiro com o café tornou-se mais cara nos últimos meses, e o assunto não saiu da pauta dos jornais e das redes sociais. Mas, afinal, por que o preço do café subiu tanto?

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o café foi um dos produtos responsáveis por puxar para cima a inflação no começo deste ano. Em fevereiro, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), o pó de café subiu 10,77%, puxando, com alguns outros alimentos, a alta da inflação do setor.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), no mais recente dado levantado pelo setor, em janeiro passado, o preço médio do café torrado e moído para o consumidor foi de R$ 56,07 por quilo. Trata-se do tipo mais comum nos mercados brasileiros e seu valor indicado no informe significa um aumento de 31,46% em relação a dezembro, quando o preço era de R$ 42,65.

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

A alta do café, de acordo com os Relatórios Mensais do Mercado Cafeeiro, realizados pela Organização Internacional do Café (OIC), não ocorreu apenas no Brasil. Trata-se de uma tendência global, também observada em alguns dos principais países produtores do grão, como Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia.

Uma das principais informações dos relatórios mensais da OIC é o indicativo composto da organização, uma estatística que serve como referência do preço global do café para exportadores ou importadores, mas não para o consumidor final. Apesar do dado ser calculado e publicado diariamente, é possível comparar seu aumento ou queda mês a mês. 

Os dados da OIC evidenciam o aumento global no mercado do café: os grãos ficaram cerca de 70% mais caros de 2024 para 2025. Quando comparamos o valor de negociação global de cada quilo de café no mês de fevereiro de ambos os anos, é possível reparar que em, fevereiro de 2024, o valor era de R$9,10 (182,04 centavos de US$/libra-peso) e no mês passado, atingiu R$17,72 (354,32 centavos de US$/libra-peso).

Quatro motivos para o aumento do preço do café

Os relatórios da OIC não trazem apenas dados, mas pontuam explicações para esse aumento global no preço do café. Para entender melhor essas justificativas, é necessário conhecer os quatro principais atores desse cenário: as mudanças climáticas, o Brasil, os Estados Unidos sob o governo de Donald Trump e a Europa. 

As mudanças climáticas e o Brasil

A OIC reconhece o Brasil como o maior produtor e exportador de café do mundo, de modo que todas as transformações na oferta de café brasileiro impactam o mercado global do produto. 

De acordo com o relatório de janeiro da OIC, o preço dos cafés arábica e robusta, principais grãos provenientes das plantações brasileiras, aumentou 15,2% e 6,2% respectivamente em relação a 2024.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública brasileira vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, esse aumento ocorreu devido à valorização dos produtos no mercado internacional diante dos baixos estoques mundiais, com consequente aumento da demanda para exportação.

Os grãos que são exportados hoje são resultado de plantações feitas anos atrás. Portanto, um aumento rápido na demanda não encontra resposta imediata da produção. Em outras palavras, a oferta não sobe no mesmo ritmo.

Por vezes, ao contrário, o cenário é o pior possível: a demanda sobe quando a produção está em queda. É o que ocorreu em 2024. De acordo com o boletim da Conab sobre a safra de café brasileira referente ao ano de 2025, em comparação com 2024, o arábica enfrentou queda em todos os seus indicativos: -1,6% em área produtiva, -11% em produtividade (qualidade do produto) e -12,4% em produção (quantidade total), sendo as questões climáticas o principal influenciador direto dessa crise.

“No Brasil, o clima tem sido preponderante na redução da produção do arábica nas últimas safras, tanto em virtude da irregularidade de chuvas e geadas em certos períodos, quanto pelas ondas de calor observadas no final de 2023 e em 2024. O que afeta as floradas dos cafezais e compromete a expectativa de produção da safra vindoura”, explica a Conab.

Já a produção do Robusta, apesar de não apresentar queda nos indicadores, enfrenta desafios como a escassez hídrica, “que prejudicou a disponibilidade de água para irrigação e ocasionou o abortamento de flores e frutos”, impedindo um aumento de oferta.

O cenário fez com que a Conab anunciasse, em 28 de janeiro, a diminuição da oferta de sacas de café do Brasil para o ano de 2025. Serão produzidas 51,8 milhões de sacas de 60 quilos, uma redução de 4,4% em comparação com 2024. 

Enes Coşkun/Pexels
Diferença de preço do café levou a questionamentos sobre as políticas econômicas do governo brasileiro

Guerra comercial: EUA e União Europeia

Outro motivo apontado pelo relatório da OIC são as “incertezas na economia global” devido à política econômica dos Estados Unidos adotada sob a Presidência de Donald Trump. 

Desde sua eleição presidencial em novembro passado, o político republicano tem ameaçado diversos países do mundo com taxas sobre seus produtos importados pelos Estados Unidos.

Nas últimas semanas, por exemplo, Trump anunciou a imposição de tarifas alfandegárias de 25% contra diversos produtos importados da União Europeia. Medidas similares foram confirmadas contra o Canadá, o México e mesmo o Brasil.

Na prática, as taxas fazem com que os itens estrangeiros importados e comercializados fiquem mais caros nos Estados Unidos, induzindo o consumo de mercadorias produzidas pelo setor agrícola e industrial norte-americano.

Diante das ações econômicas de Trump, o documento da OIC traz a análise de Yannis Stournaras, membro do Conselho do Banco Central Europeu (BCE) e governador do Banco da Grécia. O especialista afirma que o BCE pode “acelerar os cortes nas taxas de juros”, ou seja, tornar os empréstimos mais baratos, para fazer a economia acelerar e, assim, mitigar os efeitos do tarifaço norte-americano. 

Em termos cafeeiros, a redução das taxas na União Europeia pode fazer com que o poder de compra europeu aumente, elevando a demanda pelo café. Ou seja, há uma expectativa de vender o produto em volume e preço maiores na Europa, o que estimula o reajuste de preço agora.

Inflação de alimentos ocorre no mundo todo

Em entrevista a Opera Mundi, o economista Pedro Faria explicou que a oferta de qualquer produto depende sempre de um conjunto de fatores. No caso do café, são fatores preponderantes os eventos climáticos e o tamanho da safra mundial: “Esses fatores não necessariamente acontecem só no Brasil, a questão do café é um fenômeno global”.

A alta de preços do café, assim, não é consequência de uma política equivocada do governo brasileiro. “São fatores de oferta e isso não tem a ver com política governamental nenhuma, tanto é que a inflação de alimentos está em alta no mundo todo. Não existe culpa do governo [na questão da oferta do produto]”, avalia.

No caso Brasil, um dos fatores que explicam a subida de preços no mercado interno é o aquecimento da economia. Nesse sentido, trata-se de uma excelente notícia que acaba tendo uma consequência negativa. As políticas econômicas do governo Lula fizeram a renda dos trabalhadores aumentar e a taxa de desemprego diminuir, possibilitando um aumento do consumo.

Neste contexto, o comerciante brasileiro que adquire o café dos produtores e vende para os consumidores se sente confortável para repassar o preço em ascensão no mercado internacional. “Se a economia estivesse desaquecida, com muito desemprego, por exemplo, a concorrência entre os produtores de café estaria muito forte, e talvez eles segurassem um pouco o preço, não repassariam o preço internacional, para não perder mercado”, explica Faria.

Como a situação é de redução de desemprego e aumento da renda dos mais pobres no momento, não há este freio para os reajustes. Ou seja: o café pode estar caro, mas tem mais comida em geral na mesa do brasileiro.

Politicamente, no entanto, a situação é delicada para o governo Lula. “Nos Estados Unidos, Donald Trump perdeu sua tentativa de reeleição [em 2020] por conta da inflação de alimentos. E ele ganhou de Joe Biden [em 2024] por conta da inflação de alimentos, que ainda estava alta. Então, independente de ser um fenômeno internacional, que tem a ver com questões climáticas internacionais, que afetam lugares diferentes, as pessoas colocam a culpa no governo, porque esperam que o governo resolva o problema”, explicou Faria a Opera Mundi.

Como reduzir o impacto do aumento do preço internacional do café?

Apesar de não ser resultado de suas políticas, o governo Lula tem como agir para mitigar os efeitos da subida do preço internacional dos alimentos.

Uma dessas medidas, por exemplo, seria a não ampliação do estoque regulador para produtos  como o café, que estão com o preço em alta.

Em outro caso, seria possível, como no caso do café, criar um imposto sobre as exportações, ou seja, vender a um preço mais alto para compradores internacionais. Isso possibilitaria uma nova fonte de receita para o governo, que poderia ser utilizada em forma de crédito tributário (desconto de impostos) a empresas brasileiras que estão envolvidas na cadeia produtiva do café – na torra ou distribuição, por exemplo.

Segundo Faria, esse desconto nos impostos aos produtores brasileiros poderia ser oferecido apenas mediante a manutenção de preços baixos para o consumidor brasileiro.  “O governo já fez isso em 2023 com o petróleo cru. O [ministro da Economia, Fernando] Haddad taxou as exportações de petróleo cru, produto que o Brasil exporta muito, e usou o recurso que arrecadou para financiar uma restituição gradual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que foi suspenso pelo [ex-presidente Jair] Bolsonaro (2019-2022) para abaixar o preço da gasolina na marra”, explica. Caso a medida não fosse feita, o ICMS voltaria a ser cobrado normalmente, e não de forma gradual, o que causaria uma inflação muito alta em pouco tempo.

Faria ressalta que “essa é uma medida de curto prazo para tentar reduzir o preço temporariamente até passarem os fatores que interferem na oferta global do café. Em dois anos isso deve ser normalizado, mas a médio prazo o governo deve direcionar créditos como o Plano Safra [que oferece recursos para impulsionar a agricultura brasileira] para os produtos que têm sofrido dificuldade de produção”.