'Potências vivem drama de países latino-americanos', diz diretor-executivo do Brasil no FMI
André Roncaglia explica rearranjo da economia global após pandemia
Combater a queda da produtividade se tornou o grande desafio das economias globais após a pandemia. Os esforços vinham num crescente e a tendência era positiva até Donald Trump embaralhar o cenário com o anúncio de sua guerra comercial. O clima agora é de profunda incerteza. “Todo mundo está questionando o que vai acontecer após a guinada comercial dos EUA”, observa André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI).
Professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) até assumir o posto no FMI, Roncaglia destacou que, hoje, as grandes economias mundiais, como os Estados Unidos e os países europeus, vêm experimentando dramas típicos de países latino-americanos, submetidos à forte pressão inflacionária e a juros altos sobre suas dívidas públicas.
Opera Mundi cobriu, com exclusividade, o seminário Rumos da economia internacional: o papel dos EUA e os desafios para o Sul Global, promovido pelo Instituto de Estudos Políticos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) e pelo Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI).
Roncaglia mencionou que existe um cenário de endividamento e alta de juros cobrados das dívidas dos países. Um processo típico das economias latino-americanas que agora afeta as grandes potências. “Países que historicamente tinham taxas de juros muito baixas, e pouca pressão sobre os seus orçamentos, estão tendo que lidar com problemas tipicamente latino-americanos. Essa é a novidade. Estamos falando de Alemanha, França, Itália, Portugal, Estados Unidos, que tipicamente não tinham esses problemas”, destacou.
“Em meio a esse processo, a principal ferramenta de ajuste é a dívida pública”, afirmou, ao explicar que os títulos dos governos, que são vendidos no mercado de ações, possuem um perfil de dívida que oscila. Há países com títulos de 10, 50 anos, outros possuem títulos centenários.
Cenário pós-pandêmico
Roncaglia contou que até a chegada do governo Trump, os países seguiam uma trajetória de diminuição da ociosidade generalizada da economia, após a crise de produtividade gerada pela pandemia da covid-19. “Estávamos ocupando cada vez mais a capacidade produtiva, com queda do desemprego voltando a níveis pré-pandêmicos, economias mais aquecidas e sob um processo de desaceleração da inflação. Uma trajetória benigna em termos sistêmicos, com pontos de tensão mais ou menos generalizados”, detalhou.
O ponto central, destacou, é que os países conseguiram retomar suas atividades econômicas, mas em um nível muito menor. Isso levou à busca pelo aumento da produtividade, por uma melhor qualidade dos empregos e pela elevação da renda para combater as pressões inflacionárias.
Segundo ele, o desafio foi respondido de forma heterogênea entre os países, com destaque para a China, que conseguiu manter o crescimento tanto da produtividade quanto o da renda. A Europa, por sua vez, apresentou “um problema gravíssimo em termos de produtividade, gerando tensões internas acopladas por pressões imigratórias”.
Roncaglia observou que, diferentemente dos Estados Unidos, o arranjo econômico europeu incorpora direitos sociais e trabalhistas, o que é visto negativamente pelo mercado financeiro. “Do ponto de vista social, ele é muito mais sustentável do que o norte-americano, mas ele não está conseguindo vencer esta corrida. A Europa rediscute seu redesenho industrial, em meio à forte divisão interna de opiniões sobre qual caminho seguir, se o norte-americano ou o chinês, de planejamento”, apontou.

Tatiana Carlotti / Opera Mundi
Estados Unidos
A queda da produtividade também afetou os Estados Unidos. Embora sejam a economia mais produtiva do mundo, a parte que representa ganho de produtividade no país é muito pequena perto de todo o território norte-americano, onde existem grandes vazios de atividades produtivas e uma forte desigualdade regional, explicou o economista.
“No Vale do Silício, a Califórnia é a sétima economia do mundo, um estado entre 50. E o resto do país? É muito difícil imaginar que uma economia como esta garantirá emprego de qualidade para todo mundo”, avaliou.
É justamente essa situação que Trump está tentando reverter com sua política tarifária. “Podemos criticar os seus métodos, se a maneira como ele está fazendo isso é correta, mas o plano dele não é muito diferente do plano do [Joe] Biden. Ele apenas usa mecanismos diferentes para reindustrializar o país”, afirmou. Em sua avaliação, “o grande equívoco de Trump é que ele está tentando reindustrializar para trás, reanimando indústrias que não mais existem em vez de criar as indústrias que ainda não existem”.
Brasil no FMI
Questionado por Opera Mundi sobre a visão do FMI sobre o Brasil, o economista salientou que o país tem um espaço consolidado no órgão multilateral. “Nós temos mandato, somos cotistas do órgão e o Brasil é incrivelmente respeitado dentro do FMI”, afirmou.
“A cadeira brasileira é ouvida por todos os demais países. Eles nos procuram, inclusive, porque temos autonomia para dizer o que muitos não têm. Esse é o resultado de uma longa trajetória de participação brasileira no FMI”, destacou.
Em termos gerais, pontuou, “o Brasil é visto como um país com um grande desafio fiscal. O principal elemento que chama atenção é o custo de rolagem da dívida, tanto o serviço de juros muito elevado da dívida pública, quanto o custo de serviço dessa dívida. Isso nos coloca o desafio de estabilizar a dívida a longo prazo”.
Do ponto de vista fiscal, o FMI reconhece os esforços brasileiros. “O Brasil é visto como um país que está tentando obter um ajuste fiscal com equilíbrio, moderação das despesas e aumento da arrecadação, com base em maior progressividade de sua estrutura tributária e maior eficiência, por meio da reforma tributária encampada recentemente pelo governo Lula”.
