'Queremos uma organização para aglutinar lutadores', afirma dirigente do racha da Consulta Popular
Em entrevista a Opera Mundi, Olivia Carolino, uma das lideranças do processo, esclarece o que significa a separação e quais são as motivações políticas
A organização Consulta Popular, criada em 1997 a partir da iniciativa dos movimentos populares, como o MST, passa por um processo de racha, com o lançamento de uma carta de 600 militantes.
A carta apresenta a posição política do “campo majoritário” da organização, que estava em meio a um processo congressual.
Olivia Carolino, que faz parte da direção nacional da organização nos últimos 10 anos, é uma das lideranças do processo de separação, que se intitula “Um passo à frente na Consulta Popular”.
Olívia é militante da organização desde 2006, faz parte da coordenação do Projeto Brasil Popular, é pesquisadora do Instituto Tricontinental e professora na Escola Nacional Florestan Fernandes.
Neste entrevista a Opera Mundi, ela esclarece o que significa a separação, as motivações políticas e aponta as perspectivas dos signatários da carta, que realizarão uma Assembleia de Lutadores e Lutadoras do Povo em fevereiro.
Leia a entrevista na íntegra:
Quase 600 lideranças assinaram uma carta de separação da Consulta Popular, apontando diferenças políticas com uma fração minoritária. O que aconteceu?
É delicado expor a organização que tantos militantes dedicam a vida na construção. O que aconteceu na CP tem o nome de luta interna, que se conformou quando um grupo minoritário tentou colocar a militância contra a direção. No último período, a Consulta passou por uma profunda crise interna e foi aberto, em julho de 2019, um processo assemblear com uma discussão que envolveu o conjunto da militância sobre o capitalismo contemporâneo, a realidade brasileira, a tática, a estratégia e os desafios políticos. Nesse processo, as diferentes posições se colocaram e a militância tomou lado. No transcorrer do debate, ficou evidente pra gente que as diferenças são muito grandes e não faz mais sentido fazer parte da mesma organização. Assim, decidimos pela separação da fração minoritária. Depois de três anos de debate nas instâncias, chegamos ao ponto de reconhecer a cisão já existente de fato. A decisão de cessar a luta interna com o manifesto de 600 militantes construtores do projeto popular abre um novo período de diálogos francos e abertos, rumo à construção da assembleia em fevereiro.
O que significa essa separação? É uma saída da organização ou uma expulsão?
Nós temos ampla maioria, quase 600 lideranças, em torno de 80%. A Consulta Popular sempre funcionou à imagem e semelhança dos movimentos populares, que a fundaram em 1997, a partir da iniciativa do MST. A decisão de se forjar como uma organização política, que se deu em 2007, não dotou as nossas instâncias de instrumentos para regular a relação de maioria e minoria, como um estatuto ou um regimento. Não temos um regulamento para impedir as manobras para subverter o funcionamento da organização. As profundas diferenças táticas e estratégicas se cristalizaram e não tínhamos mecanismos para a maioria se fazer valer, respeitando o direito de minoria. Fizemos uma discussão com a nossa militância e resolvemos nos separar e dar um passo à frente, um salto político e organizativo. Ou seja, não saímos da organização nem expulsamos a minoria: nos separamos e abrimos um processo de transição para resolver as questões burocráticas com a fração minoritária.
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Olivia Carolino é uma das lideranças do processo de separação
Quais as principais diferenças entre os dois grupos?
Nos últimos três anos, tivemos profundas diferenças na caracterização do momento político depois do golpe de 2016, onde fora apresentada que estava em curso um “cerco e aniquilamento” das forças de esquerda, na avaliação sobre a campanha Lula Livre, na proposta de combinação da frente de esquerda e coalizão democrática para isolar o neofascismo e no papel da luta antirracista na realidade brasileira. Na carta, expusemos as nossas ideias, que contrastam com a posição da fração minoritária. Queremos construir uma organização ampla, capaz de aglutinar o maior número de lutadores e lutadoras comprometidos com o Projeto Popular para o Brasil. Defendemos constituir uma relação dialógica com os movimentos populares e sindicais. Defendemos aproveitar as possibilidades de disputa das instituições para fortalecer a organização popular. Queremos equilibrar formação, trabalho de base e disputa da institucionalidade, como nos ensinam as experiências da América Latina. Apreendemos o marxismo como uma tradição aberta, avessa ao doutrinarismo. Na tática política, identificamos a importância da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, para derrotarmos a extrema direita e acumularmos forças.
O que vocês vão fazer a partir de agora?
Convocamos a construção de uma Assembleia Nacional dos Lutadores do Povo, com a participação de todos os militantes que têm afinidade com as nossas concepções táticas e estratégicas, que defendem o projeto popular para o Brasil e que têm disposição de contribuir no trabalho de organização e luta popular. Muita gente que se afastou da militância está nos procurando para participar dessa nova caminhada. Na assembleia, vamos construir uma nova direção nacional e aprovar uma nova resolução política, com base nos debates que fizemos no último período. Queremos também abrir um diálogo com toda a esquerda, apresentar nossa avaliação de conjuntura e as nossas propostas políticas.
Quais os desafios que vocês identificam para 2022?
Estamos iniciando o processo de estruturação, junto com os movimentos populares, de uma campanha de massa pela eleição do Lula, com a organização de comitês nos bairros, nos locais de trabalho e com os diversos segmentos da sociedade, para fazer do processo eleitoral uma alavanca para a organização de base, tanto para eleger o Lula como também para construir uma força social organizada para lutar pelas mudanças necessárias. Queremos também fazer um debate na sociedade sobre o programa emergencial para tirar o país da crise, que passa pela revogação do teto de gastos, a implementação de um amplo programa de emprego, renda e proteção aos trabalhadores, uma profunda reforma política-institucional, políticas de proteção de meio ambiente e desmatamento zero, a reconstrução das políticas públicas para atender os movimentos organizados de mulheres, negros, LGBTQIA+, sem-terra e sem-teto.
