Sábado, 12 de julho de 2025
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O artigo 16 da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas diz, textualmente, que “os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os demais meios de comunicação não-indígenas, sem qualquer discriminação”. É o mesmo preceito que levou a OIT (Organização Internacional do Trabalho) a elaborar, em 1989, o Convênio 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes.

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Esse convênio, que tem como preceito básico o respeito às culturas, formas de vida e instituições tradicionais dos povos indígenas, e a consulta e participação efetiva desses povos nas decisões que os afetam, conta hoje com 22 ratificações, em sua maioria de países latino-americanos. Honduras o ratificou em 1995.

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Giorgio Trucchi/Opera Mundi

Primeira emissora de rádio, Faluma Bimetu (Coco Doce) foi criada em Triunfo de la Cruz para defender cultura e território garífuna

Baseando-se nesse mesmo princípio, a organização garífuna — grupo étnico de origem mista formado com a miscigenação de índios caribenhos e grupos africanos — OFRANEH (Organização Fraternal Negra Hondurenha) foi criando várias emissoras comunitárias ao longo da costa caribenha de Honduras, desdenhando qualquer contato ou solicitação de frequências para a autoridade de telecomunicações.

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“Como poderíamos confiar em governos que tentaram roubar o território ancestral garífuna, saquear nossos recursos naturais e destruir nossa cultura e nossa forma de viver”, pergunta Félix Valentín, membro do conselho diretor da OFRANEH, em entrevista a Opera Mundi.

Por suas denúncias persistentes contra a concentração e o acúmulo de territórios, os megaprojetos hidrelétricos, mineradores e turísticos, e a expansão das monoculturas no território garífuna, as emissoras comunitária da OFRANEH sofreram uma grande série de atentados, fazendo com que crescesse a desconfiança de um poder político-econômico que conquistou todos os espaços institucionais.

“Para montar nossos meios de comunicação não precisamos de permissões, nem de regulamentos. A declaração das Nações Unidas sobre povos indígenas e o Convênio 169 nos outorgam o direito inviolável de ter nossas emissoras e não queremos intromissões do Estado”, disse Valentín.

Opera Mundi: A OFRANEH tem quantas rádios comunitárias?
Félix Valentín: Temos cinco. A primeira emissora de rádio, Faluma Bimetu (Coco Doce) foi criada em Triunfo de la Cruz pelo CODETT (Comitê de Defesa das Terras de Triunfo de la Cruz), com o propósito de defender nossa cultura e território da ofensiva dos grupos de poder hondurenhos que queriam tomar posse de nosso território ancestral.

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Em 2003, instalou-se a Rádio Durugubuti, na comunidade de San Juan Tela, que é administrada totalmente por um grupo de jovens e, em 2009, criaram-se outras duas rádios comunitárias: Radio Sügüa, na comunidade de Sambo Creek, que teve um papel muito importante no resgate e na preservação da cultura garífuna, e a Rádio Warumuga, na cidade de Trujillo, promovida também por jovens que propuseram uma firme resistência contra a venda do território costeiro para a exploração turística.

Finalmente, em 2011, ganhou vida a Rádio Brisas do Mar, a quinta emissora comunitária, em Punta Piedra, onde há mais de duas décadas as comunidades garífunas lutam contra a invasão territorial promovida por militares de alto escalão para se apropriar da bacia do rio Miel. Esse caso foi levado para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Giorgio Trucchi/Opera Mundi

Félix Valentín: “nossas rádios, que surgiram do povo, são para o povo e expressam o sentir do povo”

Nossas emissoras integram também a Rede Mesoamericana de Rádios Comunitárias, Indígenas e Garífunas, uma rede estratégica que reúne várias rádios comunitárias que nascem e se associam para fortalecer as lutas das organizações sociais e dos povos da região.

OM: Quantas dessas rádios têm frequências designadas pelo Estado?
FV: Nenhuma, porque desde o começo fomos categóricos em não querer pertencer a esse sistema de telecomunicações. De acordo com o Convênio 169, da OIT, temos o direito de criar nossos próprios meios de comunicação, e ninguém pode nos obrigar a fazer parte de um sistema, nem a respeitar uma Lei de Telecomunicações ou a participar de uma suposta regularização do espectro eletromagnético, cujo verdadeiro objetivo é condicionar as ações e os conteúdos expressados pelas rádios comunitárias.

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OM: Por que tanta desconfiança?
FV: Como podemos confiar em governos e instituições que se aliaram às elites nacionais e aos grupos de poder para saquear nossos territórios e nossos recursos, e que até têm pretendido leiloar o território hondurenho por meio da aprovação da Lei das ZEDE (Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico), mais conhecidas como cidades-modelo?

Como podemos nos esquecer da impunidade em relação aos atentados, ao roubo de transmissores, à queima de sedes, ao assédio e à intimidação das autoridades de telecomunicações e das municipalidades contra nossas rádios, assim como o desconhecimento e a negação total do nosso direito à consulta prévia, livre e informada sobre projetos de exploração territorial?

Nesse sentido, não podemos nem queremos permitir nenhum tipo de condicionamento de nossas rádios, que surgiram do povo, são para o povo e expressam o sentir do povo, da parte de instituições que têm pisoteado constantemente nossos direitos.

OM: Qual tem sido a importância dessas rádios e de seu trabalho de comunicação?
FV: A OFRANEH é uma federação que agrupa dezenas de comunidades e que trabalha pelas reinvindicações dos povos indígenas e negros de Honduras. Nossas emissoras puderam quebrar a campanha de desinformação proveniente dos meios de comunicação de massa e difundir a verdade nacional e internacionalmente, despertando a consciência da nossa gente.

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Além disso, têm tido um papel unificador na defesa dos nosso territórios ancestrais, das formas e práticas comunitárias, de nosso recursos, nossa cultura e cosmovisão, e têm contribuído para o envolvimento, capacitação e formação dos jovens de nossas comunidades. Nesse sentido, estamos exigindo que o Estado reconheça e respeite os convênios internacionais que ratificou, assim como os direitos invioláveis que nos outorgam.

Félix Valentín, membro do conselho diretor da OFRANEH, há anos denuncia destruição de recursos naturais em Honduras

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