Confrontada com a necessidade de fazer cortes drásticos em seu orçamento, o governo britânico reduziu em 20% os custos da BBC (British Broadcasting Corporation). A emissora, por sua vez, anunciou o fechamento de parte de seu serviço mundial, assim como a extinção de 200 sites do serviço online. As demissões, ao longo dos próximos três anos, podem chegar a 650, de um total de 2.400 funcionários no Serviço Mundial da BBC.
Os cortes ilustram a gravidade da crise econômica no Reino Unido. Refletem também a tentação, sempre presente no último século de reduzir a presença midiática da emissora fora do país, conforme afirmou ao Opera Mundi Laurindo Leal Filho, professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo). Autor dos livros BBC, a Melhor TV do Mundo e Vozes de Londres, dedicados ao serviço brasileiro da emissora, Leal Filho explicou que, para Londres, levar para o mundo os valores e a cultura britânica não é mais uma prioridade.
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Como o senhor interpreta as medidas tomadas pela BBC?
Na pesquisa que fiz para o meu livro sobre o Serviço Brasileiro da BBC, percebi que foram raros os momentos em que o serviço mundial não esteve ameaçado por cortes orçamentários. A exceção foi no período da Segunda Guerra Mundial, quando a concorrência com as emissoras dos países do Eixo colocava a BBC dentro do chamado “esforço de guerra”. Mas assim que esse período passou, seus gastos passaram a ser questionados.
Convêm ressaltar que, diferentemente do serviço interno, que é bancado por uma licença paga pela população, o serviço mundial é mantido por gastos orçamentárias do governo, que os repassa à BBC através do Ministério das Relações Exteriores. Isso torna o serviço muito dependente das políticas governamentais adotadas pelo partido que está no poder.
Nota-se, na história, que as maiores ameaças de cortes aconteceram quando os Conservadores estavam no poder, como agora. A crise financeira do final da década tem sido a justificativa para a adoção, pelo governo, de uma política econômica recessiva que atinge vários setores do Estado, entre eles a BBC.
A filosofia de ser presente no mundo inteiro mudou frente às dificuldades?
Ao longo da história da BBC, duas correntes estiveram sempre presentes nas discussões sobre seu papel no mundo. Uma que entendia que o serviço mundial só justificava sua existência se falasse para localidades onde as liberdades democráticas estavam suprimidas e, quando restabelecidas, não haveria mais motivo para a emissora continuar. A outra, por sua vez, defendia a permanência do serviço em qualquer circunstância, como forma de levar ao mundo as formas de vida, os valores e a cultura britânica, além de prestar um serviço informativo o mais imparcial e independente possível. Esta segunda corrente vinha tendo sucesso, mas parece que, agora, começa a perder alguma força. Não toda, é verdade, tanto é que o Serviço Brasileiro permanece intacto.
O senhor acredita que o Reino Unido está perdendo um instrumento de “soft power” (utilização da estrutura do país para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outras nações)?
Acredito que sim. Esses serviços funcionavam para mostrar, simbolicamente, o poder britânico para o mundo. Mesmo sofrendo forte concorrência de outras mídias, suponho que eles ainda tivessem um público fiel, que os acompanhava no rádio ou que, como acontece com o Brasil, na internet. É bom lembrar que o Serviço Mundial surgiu, no início do século passado, como Serviço Imperial. Era o centro do império falando para as colônias e para o mundo. Hoje, a situação é diferente e o serviço mundial – além das pressões econômicas internas – luta para se adaptar de um lado às novas tecnologias e de outro, ao papel atual que o Reino Unido desempenha no mundo.
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