Sábado, 15 de novembro de 2025
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Médicos e cientistas reagiram contra as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que o uso do analgésico acetaminofeno — conhecido comercialmente como Tylenol – durante a gravidez pode provocar autismo. A declaração, sem comprovação científica, foi dada em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (22/09).

“Qualquer associação entre Tylenol e autismo é baseada em ciência muito limitada, conflitante e inconsistente. É prematuro fazer esse tipo de afirmação sem fundamento e arriscar prejudicar a saúde pública”, declarou Alison Singer, presidente e fundadora da Autism Science Foundation, em entrevista ao Guardian.

“É enganoso para as famílias que merecem informações mais claras e baseadas em fatos”. A especialista questionou o motivo da coletiva: “até onde sabemos, não surgiram novos dados, não houve novos estudos publicados nem conferências científicas ou médicas”, apontou.

O presidente do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, Steven Fleischman, também se manifestou. Em comunicado à imprensa, ele afirmou que “os sintomas que as pessoas tratam com paracetamol durante a gravidez são muito mais perigosos do que esses riscos teóricos; e podem gerar morbidade e mortalidade graves para a gestante e o feto”. A nota reitera que “febres altas, contra as quais o paracetamol funciona, apresentam riscos particularmente altos durante a gravidez”.

A Academia Americana de Pediatria também reiterou que os dados citados por Trump não sustentam a afirmação de que o Tylenol cause autismo ou de que a leucovorina seja uma cura.

Trump Kennedy

Médicos e cientistas reagem às declarações de Trump e Kennedy Jr. sobre analgésico e alertam que febres altas durante gestão são prejudiciais e precisam ser medicadas
Joyce N. Boghosian / White House

Declaração sem comprovação científica

A declaração de Trump no sentindo contrário ao dos especialistas foi dada ao lado do secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., conhecido por seu negacionismo e combate às vacinas.

Trump disse às gestantes norte-americanas que “tomar Tylenol não é bom” e que “todas as mulheres grávidas devem conversar com seus médicos sobre limitar o uso desse medicamento”. “Não tome Tylenol. Não aceite. Lute como o inferno para não pegá-lo”, afirmou, ao aconselhar as mulheres grávidas que “resistam” quando estiverem com dor, exceto em casos raros, como febre perigosamente alta.

Kennedy Jr. anunciou que o Departamento de Saúde e a FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos) trabalharão para “alterar a rotulagem” do acetaminofeno. Os dois também alegaram a existência de uma “epidemia de autismo” no país e endossaram o uso de leucovorina, um medicamento à base de vitamina B, para tratar do autismo. O remédio também não tem comprovação científica.

Como argumento, eles citaram uma recente revisão científica feita por epidemiologistas da Harvard, que recomenda cautela no uso do medicamento e ainda carece de pesquisas, segundo os especialistas ouvidos por vários jornais. The Guardian conversou com cientistas e médicos sobre o caso e todos foram unânimes em ressaltar a ausência de evidências científicas nas alegações de Trump e seu secretário de Saúde.

A psicóloga Monique Botha, da Universidade de Durham, citou um estudo sueco com 2,4 milhões de nascimentos, publicado em 2024, que “não encontrou relação entre o uso de paracetamol na gravidez e autismo, TDAH ou deficiência intelectual.” Ela também alertou que “o alarmismo pode impedir que mulheres tenham acesso ao cuidado adequado durante a gravidez”.

Recomendações perigosas

O bioeticista Art Caplan, da Universidade de Nova York, também ouvido pelo jornal britânico, qualificou o anúncio como “a mais triste exibição de falta de evidências, boatos, reciclagem de velhos mitos, conselhos ruins, mentiras descaradas e recomendações perigosas que já vi de alguém em posição de autoridade”. Na mesma linha, o ex-diretor do Centro Nacional de Doenças Infecciosas Emergentes, Dan Jernigan, qualificou a abordagem de Trump como “autoritária, essencialmente ‘ou é do meu jeito ou nada’, sem respeito pelos processos científicos”.

O francês Le Monde apontou dois outros estudos, publicados no Journal of the American Medical Association (JAMA), que refutam qualquer correlação entre o medicamento e o autismo. “Os médicos concordam até o momento que o medicamento continua sendo a melhor opção para combater a febre e a dor durante a gravidez”, afirma a reportagem.

A Kenvue, empresa que comercializa o Tylenol, se pronunciou por meio de um porta-voz citado pelo Wall Street Journal. “Acreditamos que dados científicos independentes e robustos demonstram claramente que tomar acetaminofeno [outro nome para paracetamol] não causa autismo. Discordamos veementemente de qualquer sugestão em contrário e estamos profundamente preocupados com o risco à saúde que isso representa para mulheres grávidas”, apontou.