Todos os domingos em Kigali, a capital de Ruanda, pequena nação da África central, cristãos elegantemente vestidos vão às igrejas para assistir aos cultos, nos quais cantam, oram, ouvem sermões e fazem ofertas, principalmente em dinheiro.
A quantia arrecadada com essas ofertas costuma ser usada para pagar as despesas de funcionamento da igreja e os salários dos que para ela trabalham. Em Ruanda, igrejas não pagam impostos.
Porém, se os planos do governo forem aprovados, elas poderão ser obrigadas a pagarem impostos sobre as ofertas em dinheiro dos fiéis. O projeto de lei para isso já teria sido concluído pela agência encarregada de regulamentar as organizações religiosas, o Conselho de Governança de Ruanda (RBG), informou a imprensa local.
Segundo o censo de 2022 de Ruanda, mais de 90% da população do país se identifica como cristã. Entretanto, a proliferação de igrejas neopentecostais, que muitos críticos acusam de visar os pobres com a pregação da teologia da prosperidade, tem levado o governo do presidente Paul Kagame, que governa Ruanda com mão de ferro desde 1994, a agir contra as igrejas.
Regular em vez de taxar?
A ativista e advogada Marie Louise Uwimana disse ser contra a taxação das ofertas e do dízimo, argumentando que esse dinheiro é usado para pagar as despesas da igreja, assim como obreiros e pastores. “Em vez de tributar as igrejas, o governo deveria criar regulamentações e leis para colocar esse setor na linha e evitar que alguns líderes religiosos possam extorquir fiéis inocentes e desavisados”, afirma.
O RBG fechou quase 8 mil igrejas e mesquitas após um processo de avaliação, sob o argumento de que muitas não cumpriam os padrões de infraestrutura, como protocolos de segurança, e outras estariam operando ilegalmente.
As igrejas estão lucrando com seus seguidores?
“Eles vão começar a taxar as igrejas, que não têm fins lucrativos, mas querem taxá-las porque acham que elas estão lucrando às custas das pessoas”, comenta o jornalista político Ivan Mugisha. “Então o governo agora está tentando cobrar impostos de pessoas que exploram pessoas? Isso meio que não faz sentido.”
Para Mugisha, a repressão às igrejas é mais uma medida autoritária do presidente Kagame. Segundo o jornalista, muitos líderes religiosos estão insatisfeitos com a decisão. “Alguns deles que expressaram sua opinião foram mandados se calar. Então, isso está acontecendo porque todos se calaram, porque você sabe que, se disser algo, sua igreja estará em apuros.”
Os motivos de Kagame
Kagame há muito tenta regulamentar as igrejas, acusando alguns pastores de “espremerem” fiéis pobres “até o último centavo”. “Para dizer a verdade, essas igrejas que aparecem por todo lado existem apenas para espremer até o último centavo de ruandeses pobres, enquanto os donos delas enriquecem”, disse Kagame.
Então a ação do governo de Ruanda contra as igrejas é justificada? “De certa forma, o governo ultrapassou uma fronteira quando se trata de liberdade de culto e expressão”, diz Mugisha. “Mas sempre há uma justificativa para tudo, por exemplo [o governo] diz que as igrejas estão controlando e confundindo pessoas.”
O governo de Ruanda também quer que os líderes religiosos obtenham pelo menos um diploma de bacharel antes de serem autorizados a subir ao púlpito.
Vai funcionar?
“A ideia de tributar as igrejas não funcionará”, comenta o estudante universitário Charles Kamanzi. “O governo pretende coibir a extorsão por esses líderes de igrejas e igrejas que estão recebendo muito dinheiro dessas pessoas. A ideia pode ser boa, mas como ela será implementada?”, questiona.
Ele argumentou que outras igrejas, como a Católica, a protestante e demais igrejas tradicionais, têm escolas, hospitais e outras instituições de interesse público que administram. “Elas também serão tributadas? Acho que não. Isso torna a tributação desigual. Então quem será tributado? É muito difícil de entender”, disse o jovem de 24 anos, acrescentando que a ideia de taxar mostra o fracasso do governo em regulamentar as igrejas.
“Quando as pessoas se unem a grupos religiosos, não se trata apenas de manipulação, mas de sua fé”, diz Mugisha, enfatizando que atacar a fé das pessoas “significa restringir uma liberdade muito especial que elas têm”.