O escritor norte-americano Aldous Huxley, ao publicar em 1931 seu romance “Admirável mundo novo”, descreveu uma sociedade futurista onde a identidade pessoal não existia. Mas já na época, o que chamava a atenção dos leitores era a arquitetura fantasiosa que ele descrevia, imaginando, talvez, que demoraria séculos para se tornar realidade.
No entanto, apenas 78 anos depois, os projetos anunciados hoje (29) pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, para transformar Paris, podiam entrar nas páginas do clássico da literatura mundial. Um deles prevê uma ilha artificial localizada no meio do rio Sena, planejada para fins comerciais.
No total, foram 10 projetos aprovados por Sarkozy, que os revelou durante a inauguração da “Cidade da arquitetura”, local destinado para a difusão da arquitetura. O conjunto da transformação projetada é chamado “Grande Paris”, e deve custar 35 bilhões de euros (101 bilhões de reais).
O tempo de duração do plano deve ser de 12 anos e o governo pretende estende-lo à cidade francesa e transformá-la numa metrópole verde. Uma das medidas seria uma linha de metrô de 130 quilômetros em forma de oito, que ligaria vários pólos industriais da cidade.
O arquiteto carioca Romão Pereira disse ao Opera Mundi que considera a iniciativa francesa bem-vinda. “Seria o ideal se nossos governantes fizessem planos para nossas cidades, pensando nelas daqui a 50 anos”, acrescentou. “Em questões urbanas estamos, no Brasil atrasados uns 30 anos. Problemas que pensamos agora, já foram resolvidos há muito tempo por lá”, declarou Pereira, que estudou e morou na cidade-luz durante vários anos.
Transporte: principal problema
O transporte público é um problema principal de Paris. Pensado para levar a população das cidades satélite, como Argenteuil, Roissy, La Défense, Epinay e Villetaneuse, para trabalhar no centro da capital, os engenheiros de tráfico não previram que acontece o movimento oposto. Atualmente uma grande parte dos parisienses sai do centro da cidade para o subúrbio. E muitos deles moram numa cidade satélite e vão trabalhar em outra.
Eles se veem diariamente obrigados a transitar pelo centro da cidade, o que aumenta o tempo de viagem e o caminho percorrido. Assim os “franciliens” – em francês, os habitantes da “Ile-de-France”, região em que se encontra Paris – preferem usar seus carros para se locomover, sujando a cidade e poluindo o meio-ambiente.
O projeto prevê que com a conurbação com outras cidades vizinhas, a população da Grande Paris possa totalizar 12 milhões de pessoas em 10 anos. Hoje o numero de habitantes da capital é de dois milhões de pessoas.
O projeto é ambicioso, pois a cidade é conhecida pela rigidez com que foi construída. Em muitos bairros, os prédios têm um limite de altura. A cidade é circundada por uma espécie de anel rodoviário conhecido como “Périphérique”, que restringe seu crescimento.
Novos monumentos
Além da questão do transporte, Sarkozy disse que a cidade precisa de novos monumentos capazes de rivalizar com a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo. É nesse quadro que entram as obras arquitetônicas aprovadas pelo presidente hoje, tal como uma nova torre gigante e coberta de espelhos ou a ilha artificial que faça o papel de centro econômico.
No seu discurso, Sarkozy citou o grande escritor do século XIX Victor Hugo para quem Paris encarnava “a verdade, a beleza e a grandeza”. O presidente acrescentou a qualificação “a justiça”.
O presidente também ratificou o projeto de plantar um milhão de arvores perto de Roissy, onde se encontra o maior aeroporto internacional. Maquetes das obras serão exibidas a partir de amanhã no museu do Grand Palais da avenida Champs Elysées.
Para o arquiteto franco-marroquino Abderahim Kassou, sócio do escritório Kilo, com base em Paris, “não é só injetando bilhões de euros e decretando que tal ou tal coisa é um monumento que o estado vai devolver a auto-estima aos habitantes de alguns bairros”.
O arquiteto lembra que durante as ultimas décadas a capital expulsou progressivamente seus habitantes mais pobres, assim como os imigrantes e os desempregados. “A ideia de espaço público esta se perdendo. A rua agora é vista só como um lugar para passar, com medo e paranóia”, avalia Kassou.
A multiplicação nos últimos anos de manifestações violentas deu uma imagem muita negativa àss cidades satélites da capital. Muitos parisienses acham que a única solução é policial.
Para Kassou, o plano de Sarkozy não deve resolver nada. “Há muita vitalidade nos bairros periféricos que pede um espaço para se expressar. Um projeto lançado às pressas e pensado por tecnocratas não é a melhor maneira de trabalhar com esta população”, conclui o arquiteto.
Segundo os planos de Sarkozy serão entregues 70 mil casas no próximo ano, que possibilitarão a criação de milhões de novos empregos. Mas o governo não precisou qual será a parcela das 70 mil casas destinadas à população mais carente da cidade.
Com esses projetos Sarkozy resgata a política do “Grands Travaux”, ou Grandes Obras, em português, que visa criar vagas de trabalho através de grandes construções. Para o chefe de estado, é também uma maneira de entrar na história.
A manobra política já foi usada anteriormente, com seus antecessores presidenciais.
Um clássico exemplo foi François Miterrand, que durante seu governo ergueu obras como a pirâmide do Louvre e a nova Biblioteca Nacional.
O projeto deve sair do papel em 2012, ano que se encerra o mandato de Nicolas Sarkozy. Segundo a constituição francesa, ele pode ser candidato para reeleição.
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