Na segunda parte da entrevista, o psiquiatra palestino Mahmud Sehwail, fundador do Centro de Tratamento e Reabilitação de Vítimas de Tortura em Ramallah, na Cisjordânia, diz que entrevistou crianças da Faixa de Gaza após o último ataque israelense. A grande maioria é pessimista e mais da metade conta que já perdeu pessoas próximas ou propriedades.
O que fazer para que as crianças não tenham o mesmo destino (dos adultos, que contraem doenças psíquicas e tendência suicida)?
Cuidar das crianças é muito difícil. Duas semanas depois desse genocídio em Gaza, fiz um estudo com 100 crianças na Cisjordânia e, por telefone, entrevistei outras 60 na Faixa de Gaza. Do último grupo, 97% foram vítimas de violência, 90% disseram que não têm esperança e expressavam idéias pessimistas, 95% apresentavam sintomas de estresse pós-traumático, 65% perderam um ente querido e 70% deles perderam também suas propriedades, sejam casas ou escolas.
E depois do conflito em Gaza, a situação deve ter piorado.
Na Cisjordânia, a incidência de estresse entre as crianças também aumentou muito por causa do conflito. Se antes 31% delas sofriam dessa síndrome, hoje a doença já atinge metade das crianças da região. No ano passado, fiz um estudo com 2.331 alunos de 14 a 17 anos na Cisjordânia. Desses, 10% já tinham sido presos e 68% apresentavam sintomas psicológicos como conseqüência da tortura e do trauma da violência. Isso quer dizer que os israelenses encheram de ódio essa geração. As crianças criadas na primeira Intifada dirigiram a segunda. Creio que necessitamos de mais de 50 anos para poder diminuir e converter as conseqüências da guerra.
Vocês conseguiram fazer atendimentos dentro da Faixa de Gaza?
Nós apresentamos um pedido para poder ir a Gaza, mas isso não é fácil, depende da permissão dos israelenses. Eles não deixam ninguém entrar. A vida aqui não é fácil. Você vai de um lugar a outro e há postos de controle militar, tudo para fazer a vida do povo palestino mais difícil. E a tortura não ocorre somente nas prisões, onde ela é sistemática e bem organizada. Ela ocorre em todos os lugares.
O senhor vê alguma solução para esse conflito?
Sozinhos, nós, palestinos, não podemos conseguir a paz e a justiça. Consideramos que este não é um problema e uma responsabilidade local, mas internacional. A comunidade internacional tem que intervir e obrigar Israel a aceitar as resoluções da Organização das Nações Unidas. A Palestina é independente do Estado de Israel. Essa é a única solução.
Isso é possível?
Não é possível porque depois das eleições em Israel, vi que a comunidade israelense está com a extrema direita, ou seja, os israelenses votaram pela guerra, não pela paz.
Mas sem paz, o ódio vai aumentar, assim como os conflitos, as prisões, as torturas…
A tortura é isso: ela não tem como objetivo matar o corpo, mas matar o espírito, a moral do indivíduo. Ela existe para destruir a pessoa, para mudar o seu caráter, para espalhar o medo em quem foi vítima e em quem está ao seu redor e destruir todo um processo democrático.
Leia a primeira parte:
“Suicídio não tem motivação religiosa”
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