Segunda-feira, 21 de abril de 2025
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O presidente interino da Síria, Ahmed Al-Sharaa, assinou e divulgou nesta quinta-feira (13/03) uma Declaração Constitucional para nortear o funcionamento do país durante o período de transição, que deve durar cinco anos.

O texto garante a liberdade de opinião, expressão e imprensa, além dos direitos sociais, econômicos e políticos das mulheres. Apesar disso, a lei e a jurisprudência islâmica continua sendo a “fonte primária” da legislação e o presidente precisa ser muçulmano, como antes.

“Esta é uma nova página na história da Síria, onde substituímos a injustiça pela Justiça (…) e o sofrimento pela misericórdia”, disse o presidente Al-Sharaa após a leitura da declaração.

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O documento também estabelece separação estrita entre os três poderes em um país que foi governado sem contestação pela família Assad durante quase 60 anos. O ponto foi destacado Abdel Hamid Al-Awak, membro do comitê que redigiu a declaração.

“Optamos deliberadamente por uma separação rigorosa (…) porque os sírios sofreram no passado com a “invasão do presidente da República sobre o restante dos poderes”, disse Awak.

Poderes separados mas presidente nomeia um terço da Assembleia

Apesar disso, caberá ao presidente interino nomear um terço dos membros da futura assembleia, única encarregada de legislar no país a partir de agora. Ao presidente fica reservado um único poder excepcional: o de declarar estado de emergência.

O documento prevê ainda a criação de um Conselho de Segurança Nacional para “coordenar e gerenciar políticas de segurança” e discutir “os desafios enfrentados pelo Estado”.

Esse Conselho será presidido pelo presidente e incluirá os ministros de Relações Exteriores, o da Defesa, o do Interior e o diretor-geral de inteligência, além de um especialista e dois consultores que também serão nomeados pelo presidente.

A declaração constitucional do regime de transição passa a considerar crime “a glorificação do antigo regime de Assad e seus símbolos”, explicou o presidente. “Negar, elogiar, justificar ou minimizar seus crimes” passam a ser “crimes puníveis por lei”.

Ao mesmo tempo, para fazer justiça às vítimas do antigo regime, a declaração prevê a criação de uma “Comissão de Justiça Transnacional”. Ficam proibidos os tribunais excepcionais. O documento menciona ainda.

Curdos consideram que documento não é inclusivo

O texto, entretanto, foi criticado pela administração autônoma curda que gestiona o nordeste da Síria, com a qual o governo assinou um acordo para que integrassem o Estado sírio. Eles avaliaram que a Declaração Constitucional não respeita a diversidade da Síria, que é complexa.

“Ela não reflete o espírito do povo sírio e seus vários componentes, dos curdos aos árabes, incluindo siríacos, assírios e outros”, disse a administração.

Ahmed Al-Sharaa tornou-se presidente interino da Síria depois da queda de Bashar Al-Assad, dia 8 de dezembro passado. Isso ocorreu depois de uma guerra civil de 13 anos que terminou com uma rebelião de 11 dias da qual participaram vários grupos liderados por Sharaa, membro do grupo islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS).

O presidente interino da Síria Ahmed Al-Sharaa
Wikimedia Commons
O presidente interino da Síria Ahmed Al-Sharaa

O grupo que assumiu o poder dissolveu Parlamento e suspendeu a constituição da era de Assad, cuja família governou o país por quase 60 anos. Eles se comprometeram a convocar eleições para dentro de quatro ou cinco anos.

Na apresentação da Declaração Constitucional, o governo anunciou que formaria uma comissão eleitoral superior para organizar as eleições parlamentares. Também se comprometeram a formar uma comissão para redigir uma Constituição definitiva.

Presidente quer parecer moderno ao Ocidente

Desde que chegou ao poder, Sharaa vem buscando mudar sua imagem internacional de extremista islâmico. Ele realizou diversos encontros com representantes do ocidente explicando que buscava uma transição inclusiva.

Entretanto, há uma semana, o país vem assistindo a sangrentos confrontos nos quais ao menos 1.383 civis morreram. A violência foi promovida por diversos grupos armados aliados do governo e por forças da própria segurança síria do novo regime.

As vítimas foram, principalmente, alauítas do oeste do país, grupo étnico do governante deposto ao qual pertence 10% da população síria. Em muitos casos, homens armados invadiram casas e praticaram execuções sumárias assim identificaram a etnia das pessoas. Em alguns casos famílias inteiras, inclusive crianças, foram massacradas.

As informações sobre as mortes são do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH, da sigla em inglês). Essa organização não-governamental sediada no Reino Unido, conta com uma extensa rede de informantes na Síria.

Especialistas em Oriente Médio ouvidos por reportagem da Agência Brasil avaliam que os massacres comprometem a credibilidade das declarações oficiais de um governo inclusivo.

‘Governo foi cúmplice dos massacres’, diz especialista

“Esse massacre derruba por terra o discurso (…) de Ahmed Sharaa de que a Síria é para todos os sírios, que (…) não vai excluir ninguém”, disse à Agência Brasil o professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, Mohammed Nadir.

Ele lembra que o HTS, que agora encabeça o governo sírio, é oriundo de extremistas jihadistas sunitas, como os grupos Al-Qaeda e Estado Islâmico. O professor avalia que o governo fez vista grossa aos massacres e agora está desafiando os alauditas a se desarmarem.

A onda de violência tem provocado fuga em massa de alauítas. Segundo a agência Reuters, mais de 350 famílias sírias teriam se refugiado no Líbano, cruzando a pé o rio que separa os dois países.

Marcelo Buzetto, doutor em ciências sociais da Pontificia Universidade Católica (PUC) de São Paulo tem opinião semelhante a Nadir. Ele avalia que o atual governo é cúmplice dos massagres.

Quem liderou os ataques foram tropas e grupos armados do atual governo ou membros de organizações que o apoiam e que atuam publicamente, à luz do dia, com conhecimento do governo”, diz Buzetto.