Desde que o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto, líderes e ex-líderes latino-americanos como Evo Morales, Fidel Castro e Hugo Chávez alertaram para a possibilidade de ocorrer novos golpes em outros países. Opera Mundi ouviu quatro analistas, no Brasil e na América Central, para analisar essa possível conjuntura. Três deles concordam que o risco existe, mas alertam para as peculiaridades do contexto político hondurenho.
O professor de Relações Internacionais da Unesp Hector Saint-Pierre é um dos que acreditam em possíveis golpes em outros países. Para ele, a postura dos Estados Unidos de não intervir em Honduras e de não suspender totalmente o apoio econômico dá margem à instabilidade política. “Os golpistas podem se sentir instados a fazer o mesmo em outros lugares, possivelmente na Guatemala, que está bastante baqueada”.
Saint-Pierre lembra que alguns discursos de militares na última semana falam em “devolver a dignidade democrática ao país”.
A Guatemala passou recentemente por um período de protestos que exigiam a renúncia do presidente Álvaro Colom, desencadeados pela divulgação de um vídeo póstumo gravado pelo advogado Rodrigo Rosemberg, denunciando o presidente, a primeira-dama Sandra Torres e a secretário do presidente como responsáveis por seu assassinato.
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Não é apenas o professor da Unesp que defende a iminência de um golpe de Estado no país que faz fronteira com Honduras. Hugo Chávez e Evo Morales denunciaram no início desta semana a existência de um plano para destituir Álvaro Colom e outros presidentes da América Central.
A acusação, que já havia sido feita por Fidel Castro, provocou reação entre empresários guatemaltecos. Os líderes da Câmara de Indústria de Guatemala e do Comitê Coordenador de Associações Agrícolas, Comerciais, Industriais e Financeiras pediram que os presidentes “não se metam nos assuntos de outros países”. O tema foi tratado da mesma forma por articulistas dos maiores jornais do país, de orientação conservadora.
O sociólogo Emir Sader, secretário-geral do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), também considera a possibilidade de o golpe militar em Honduras incentivar o “golpismo”, principalmente em países que conseguiram uma autonomia em relação aos Estados Unidos na última década e não seguiram a cartilha neoliberalista de Washington, como El Salvador e Nicarágua.
América Central: diferentes conjunturas
O cientista político Manuel Rojas, da Flacso (Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais) na Costa Rica acredita que o perigo de golpe sempre existe. Mas não acredita que o caso hondurenho possa servir de exemplo para que setores oposicionistas de outros países apelem para ações militares e rupturas constitucionais.
“Há evidências mostrando que seria improvável. A principal delas é a diferença entre Honduras e os outros países da América Central”, afirma.
El Salvador, por exemplo, tem um presidente de esquerda, que ganhou a eleição com um discurso de apelo aos mais pobres: Maurício Funes. Mas a situação lá é diferente da de Honduras, onde Zelaya foi o presidente que mais se aproximou da Venezuela, desagradando a todo o setor empresarial e políticos mais conservadores ao ingressar na Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e no Petrocaribe. Funes ainda não provocou descontentamento, nem fez menção a grandes reformas, avalia Rojas.
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“Funes se aproxima de Chávez, mas não mantém o país na área de influência e já demonstrou claramente que não pretende ingressar na Alba. Na mídia, ele procura se aproximar mais de Lula do que do venezuelano”, conclui.
Discordância
O cientista político guatemalteco Gustavo Verganza afirma que a situação da Guatemala não pode ser comparada com a de Honduras. “Não há indícios de um golpe contra Colom. Nas últimas semanas, não houve denúncias do presidente, ameaças, agitação nesse sentido”, diz ele.
Verganza explica que as realidades políticas são diferentes, pois Honduras tem dois partidos políticos maiores, de direita, e dois menores, um de esquerda e outro de direita, enquanto a Guatemala tem 21 legendas e teve 14 candidatos à presidência nas últimas eleições. “Ser um país com muitos partidos torna difícil a situação que se formou em Honduras. Zelaya já não tinha apoio de ninguém no Congresso. Na Guatemala há várias bancadas”.
Além disso, segundo o guatemalteco, Colom foi eleito com apoio de alguns empresários, de camponeses e de operários, e continua com aprovação desses setores.
No entanto, o costarriquenho Manuel Rojas, da Flacso, lembra que a continuidade de problemas como violência e narcotráfico tornam a Guatemala um país instável
politicamente.
Forças Armadas
Para Rojas, além da conjuntura política, outro aspecto que diferencia os países é o Exército. Enquanto Guatemala, El Salvador e Nicarágua assinaram acordos de paz que previam enfraquecimento de suas armas, Honduras não alterou a força militar desde a década de 1980. A Costa Rica, desde 1948, não tem Exército.
Os exércitos dos outros países da América Central também perderam atribuições como, por exemplo, o comando da Polícia Nacional e do Ministério da Segurança. Em Honduras, as Forças Armadas continuaram no comando dessas instituições.
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