O modo como o governo do presidente Felipe Calderón tem conduzido a luta contra o narcotráfico no México vem causando polêmica: na semana passada, 15 jovens foram assassinados em Ciudad Juárez em mais um episódio da guerra entre quadrilhas de traficantes, que já deixou mais de 5 mil mortos na cidade desde 2008. O governo do país é criticado por apelar apenas para o enfrentamento, sem ações sociais e de inteligência paralelas que combatam a corrupção policial e minem o poder do tráfico. Para isso, mexicanos estão buscando a experiência de quem combateu organizações criminosas semelhantes: as máfias italianas.
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Segundo o político comunista italiano Francesco Forgione, um dos maiores especialistas no combate à máfia, a luta contra as organizações mafiosas deve ser tratada com um enfoque diferente da mera repressão.
“Na Itália, o exército foi enviado à Sicília, à Campânia e à Calábria em 1985 e foi derrotado. A militarização tem como resultado principal a resposta violenta dos cartéis, como demonstram os 18 mil mortos dos últimos anos no México. As organizações mafiosas precisam provar que são mais fortes, mais poderosas e têm mais controle do território que o Estado. E fazem isso com violência, com a força das armas”, diz Forgione, que foi presidente da Comissão Interparlamentar Antimáfia, ao Opera Mundi.
O político, que está no México para dar uma série de palestras, acredita a ocupação policial e militar serve aos governos apenas como propaganda, sem trazer resultados práticos no combate ao crime organizado.
“É assim que se deve interpretar as matanças como a que envolveu os jovens de Ciudad Juárez nos últimos dias. O narcotráfico envia uma mensagem simbólica ao Estado e à população: nós mandamos, somos mais fortes que o Estado”, acrescenta.
A fala de Forgione no Senado mexicano despertou grande interesse. Segundo ele, é importante explicar a necessidade de difundir uma “cultura antimáfia”. A receita para acabar com as quadrilhas é atacá-las onde dói: no dinheiro. Um dado ajuda a entender o argumento: só na Itália, os três maiores grupos mafiosos – Cosa Nostra na Sicília, 'Ndrangheta na Calábria e Camorra na Campânia – têm receita anual de cerca de 150 bilhões de euros, dos quais apenas 30% são reinvestidos em atividades criminosas, pagamentos de salários, compra de drogas e armas. Os outros 70% são investidos no mercado legal.
“Eis a hipocrisia dos governos, que permitem que o mercado legal seja contaminado pelo dinheiro mafioso e depois pretendem combater as organizações com a ocupação militar. A luta que deve ser promovida é uma luta pela difusão da legalidade. Sem a cumplicidade das elites políticas, econômicas e financeiras, as máfias não poderiam prosperar tanto. É aí que se deve atacá-las. As máfias são a outra face da globalização financeira”, acusa Forgione.
Economia do tráfico
Assim, explica, os instrumentos adequados começam por uma legislação sob medida, que permita o confisco do patrimônio econômico das máfias. Depois, seria necessário um ministério público autônomo. No México, a magistratura depende do Poder Executivo – portanto, segundo Forgione, não é independente e não tem força para superar a corrupção, sem poder conduzir uma ação adequada na luta contra o narcotráfico.
“Ao mesmo tempo, é necessário que se divulgue uma informação livre, contínua, que ajude a construir uma cultura antimáfia. Os traficantes de drogas têm um grande poder de sedução: os jovens, principalmente nas regiões pobres, têm como única aspiração a riqueza. E quem, além dos traficantes, representa o modelo de sucesso, riqueza, poder e força? Se considerarmos que um quilo de coca nas mãos do produtor vale 1,2 mil dólares e nas mãos dos distribuidores finais vale 240 mil dólares, é fácil entender a capacidade de produzir riqueza dos traficantes”, compara.
Na análise do especialista italiano, a situação mexicana é parecida com o que ocorria na Colômbia nos anos 1980-90, só que com mais violência. Para ele, há uma grande diferença entre o narcotráfico mexicano e as máfias italianas. “Na Itália, a máfia é muito poderosa e exerce grande controle sobre o território, mas atua sem se fazer notar. A 'Ndrangheta não precisa exibir seu poder, apenas o exerce”, diz Forgione.
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“Já no México”, continua, “o tráfico tem uma estrutura semelhante à do colombiano e um controle do território como o das máfias italianas, mas precisa mostrar os músculos exibindo seu poder e sua violência à luz do dia. É um desafio contínuo ao Estado. Sem mudar a cultura e os valores das pessoas, por meio da informação, da educação nas escolas, da legalidade, será difícil combater os cartéis de maneira adequada, ainda que sejam enviados milhares e milhares de soldados”, sentencia.
Segundo Francesco Forgione, “há esperança” para vencer o crime organizado, mas é preciso que o Estado mude o enfoque e “deixe de ser hipócrita”. “Meu trabalho é a demonstração de que acredito que uma mudança é possível”, conclui.
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