O ex-comandante do Exército Boliviano Juan José Zúñiga, principal liderança da tentativa de golpe contra o presidente da Bolívia, Luís Arce, foi preso na noite desta quarta-feira (26/) na capital do país. Zúñiga liderou, também nesta quarta, um levante na Plaza Murillo em La Paz e, acompanhado de seus seguidores, invadiu o Palácio Presidencial.
Fontes bolivianas ouvidas pelo Brasil de Fato apontam que o episódio foi uma tentativa de golpe fracassada, com baixa adesão dentro das Forças Armadas e rechaço da população, que se colocou em defesa da democracia na Plaza Murillo e outros centros urbanos do país.
“O que se tem é uma tentativa fracassada de golpe de Estado, muito improvisada, muito irresponsável, e que não teve respaldo de quase nenhuma unidade das forças armadas. Acredito que isso se inscreve dentro de uma atitude muito pessoal de Zúñiga, que já está detido e sob investigação”, afirma o analista político Manoel Mercado.
“Acreditamos que foi uma tentativa falida. O povo boliviano em nenhum momento vai aceitar uma ruptura. As forças armadas não deliberam, simplesmente acatam as ordens do presidente. Arce destituiu o comandante, que ignorou a destituição e entrou no Palácio do governo para exigir uma mudança substancial na composição dos ministérios”, aponta Oscar Olivera, militante do movimento Comunidade da Água, coalizão de organizações populares em defesa da água criada em dezembro do ano passado.
Ambos relatam que houve momentos de pânico popular em La Paz durante a tentativa de golpe, com pessoas correndo em bancos, escolas e supermercados diante da movimentação de tanques na capital, mas que a situação estava sob controle ao final desta quarta. Durante o dia, relatam, foi disseminada pelas redes sociais uma corrente de opinião que chegou a falar em um autogolpe, mas que perdeu força conforme o desenrolar dos fatos.
Quartelada
A quartelada teve início na manhã desta quarta quando Zúñiga se apresentou para o posto de comandante do Exército apesar de ter sido destituído por Arce na noite de terça-feira (25/06). A decisão do presidente aconteceu após o militar de alta patente se opor publicamente à candidatura do ex-presidente Evo Morales para disputar as eleições do ano que vem. Em declarações nesta semana ele chegou a dizer que Morales “não pode mais ser presidente deste país” e afirmou que estaria disposto a oferecer a vida “pela defesa e unidade da pátria”.
Por volta das 14h, Zúñiga se dirigiu à Praça Murillo, em La Paz, onde liderou uma tentativa de golpe em um tanque do Exército acompanhado de outros militares e 12 tanques.
Os golpistas tentaram invadir a Casa Grande del Pueblo, uma das sedes do governo boliviano, quando houve um enfrentamento verbal com o presidente Arce, que ordenou o recuo do general. No momento em que população boliviana se dirigia à Praça Murillo em defesa da democracia, o soldado entrou em seu veículo blindado e deixou o local.
O presidente boliviano prestou então o juramento de posse do novo alto comando militar. Após a partida de Zúñiga, a praça se tornou palco de comemorações populares e um discurso de Arce junto de seu gabinete. O presidente agradeceu às organizações e disse que os responsáveis devem responder judicialmente pelo golpe frustrado o mais rápido possível.
Além da mobilização popular, não apenas em La Paz, mas em diferentes lugares do país para rechaçar o golpe, Mercado aponta que a declaração do Pacto da Unidade, coalizão de organizações populares bolivianas, indicando que respaldam o governo de Arce e a democracia boliviana, foi uma importante demonstração política de apoio. “Também foi muito importante a resposta das unidades das forças armadas que não aderiram de nenhuma maneira ao golpe. Essa convergência entre uma posição clara da população e as forças armadas, que não aderiram como aconteceu em 2019, principalmente por parte da polícia, foi muito importante.”
Novo momento político
Apesar de contida a tentativa de golpe, as fontes ouvidas pelo Brasil de Fato esperam na quinta-feira (27/06) uma movimentação por parte do Executivo, do Legislativo, dos partidos políticos e movimentos populares que assegure a democracia no país. Para Manoel Mercado, o momento político que se abre no país pode resultar em um novo arranjo institucional do governo, na reproximação das alas do MAS ligadas a Luis Arce e ao ex-presidente Evo Morales – que têm disputado a hegemonia dentro do movimento – e adesão de outras correntes políticas e movimentos populares.
“Há gente que está pensando em golpes de Estado, isso pode juntar novamente o MAS, pode gerar um cenário de convergência de outros setores políticos para fortalecer a democracia e evitar golpes desse tipo. Se abre um novo momento político, cabe saber como administrar tanto por parte do governo, do MAS, e também é uma janela de oportunidade para os movimentos populares. As próximas 24 horas serão muito importantes para ver como o sistema político se aproveita deste momento.”
Oscar Olivera aponta que há um distanciamento dos movimentos populares de base que se mobilizaram na construção do MAS entre 2000 e 2005 em relação ao governo e considera que a população que foi às ruas defender a democracia deve exigir de Luis Arce o atendimento de suas demandas, “diante da grave situação econômica que se mantém hoje no país”.
“Espero que esse processo possa gerar um cenário de reflexão aos governantes em Bolívia e um cenário de união e mobilização pelas pessoas não só para defender a democracia institucional mas uma democracia participativa e um poder econômico que esteja de acordo com as necessidade da população.”