Foram trágicas as consequências do terremoto de 6 de abril em Abruzzo, no centro-sul da Itália: 296 mortos, 65 mil pessoas desabrigadas e mais de 10 mil construções danificadas. Para reerguer a região atingida pelo tremor, o governo estima investir 12 bilhões de euros, mas quer evitar que esse dinheiro vá parar nos cofres da máfia.
A Procuradoria de Áquila, capital da região de Abruzzo, e a Direção Nacional Antimáfia já alertaram que temem que grupos do crime organizado obtenham contratos de obras para a reconstrução das cidades devastadas. Mostrou a mesma preocupação, em artigo publicado no jornal La Repubblica, o escritor Roberto Saviano, autor de livro sobre atividades da máfia.
Segundo o presidente da Comissão Parlamentar Antimáfia e ex-ministro do Interior, Giuseppe Pisanu, “a Cosa Nostra (máfia siciliana), a 'Ndrangheta (calabresa) e a Camorra (napolitana) já chegaram ao Abruzzo e certamente aspiram à reconstrução”. Ele ressalta: “É necessário proteger os investimentos públicos”.
Esse alerta deve ser levado em consideração, segundo uma das mais renomadas especialistas em assuntos da máfia, a professora Alessandra Dino, titular da cadeira de Sociologia Jurídica na Universidade dos Estudos de Palermo. Afinal, onde há grande quantidade de dinheiro público, as organizações criminosas tentam estar presentes. Porém, como ela disse ao Opera Mundi, é importante também fiscalizar e vigiar a regularidade de qualquer reforma ou obra. Porque pode ser fácil utilizar o termo “máfia” para encobrir a corrupção vinda de outros setores.
Alessandra explica que, no passado, outras catástrofes naturais foram aproveitadas por organizações mafiosas para especulação e enriquecimento, como as reconstruções após os terremotos de Belice, na Sicília, em 1968, e de Irpinia, na região da Campania – onde fica Nápoles – em 1980. As tentativas de reconstrução arrastaram-se por anos, manchadas por acusações de corrupção e envolvimento com o crime organizado.
Hoje em dia, segundo a especialista, para barrar a infiltração da criminalidade, não é mais suficiente fazer só licitações. Isso porque, já nos anos 90, Cosa Nostra havia montado um esquema que eliminava a concorrência entre grandes empresas, fazendo com que todas as grandes empresas, alternadamente, vencessem as licitações. Isso assegurava o pagamento de propina a todos os participantes do esquema: mafiosos, políticos, funcionários públicos, mestres e controladores de obras.
Represália violenta
Descoberto o esquema, os colaboradores da justiça explicaram que se tratava de um sistema vigente em todo território nacional. A única diferença é que, na Sicília, a “disciplina” era maior: se as “regras” não fossem respeitadas, havia uma violenta represália por parte das organizações criminosas.
“Por isso é preciso vigiar com atenção a reconstrução no Abruzzo”, reforça a especialista.
Segundo o último relatório do DIA (Direção Investigativa Antimáfia), referente ao primeiro semestre de 2008, as matrizes mafiosas mostraram notável capacidade de infiltração no mundo empresarial e na administração pública, servindo-se de sofisticados métodos de corrupção e conluio.
Alessandra Dino novamente exemplifica com a trajetória de Cosa Nostra, que mesmo no passado, quando explorava o latifúndio e fazia alianças com os grandes proprietários de terra do sul da Itália, sempre teve a capacidade de construir uma boa convivência com a política, a economia, as instituições e qualquer meio profissional, inclusive no mundo da cultura.
No decorrer dos últimos séculos, esse “sistema” de relações se desenvolveu e modernizou: passou da gestão da irrigação das águas para os fundos agrícolas; do tráfico de drogas aos investimentos nos setores sócio-sanitários; até chegar à coleta de lixo, esquema revelado no livro Gomorra, que virou filme, e até ao tráfico de seres humanos.
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