O presidente da República Democrática do Congo (RD Congo), Félix Tshisekedi, pronunciou-se pela primeira vez nesta quinta-feira (30/01) depois que o grupo de milícias M23, apoiado pelo governo de Ruanda, reivindicou a cidade de Goma, a maior do leste congolês, no início desta semana. Em sua declaração, o mandatário exigiu um reforço na mobilização militar para combater os rebeldes, sem manifestar a intenção de abrir uma possível negociação com eles.
“Alistem-se massivamente no exército porque vocês são a ponta de lança do nosso país”, declarou Tshisekedi em recado aos jovens, reafirmando o seu compromisso com uma resolução pacífica. “Está em curso uma resposta vigorosa e coordenada contra estes terroristas e os seus patrocinadores”.
A tomada da cidade de Goma, um centro comercial chave para a mineração, gerou “pânico” entre seus dois milhões de habitantes, conforme agências da Organização das Nações Unidas (ONU), e foi considerada como uma “declaração de guerra” por parte do governo local.
Na terça-feira (28/01), em Kinshasa, capital congolesa, manifestantes revoltados com o avanço do M23 e das forças ruandesas iniciaram seus ataques às embaixadas de nações que consideravam coniventes com a situação do país, entre elas Estados Unidos, França, Bélgica e Ruanda.
Segundo a ONU, um contigente de entre 3 mil e 4 mil soldados ruandeses operam ao lado de combatentes do M23. O governo de Tshisekedi afirma que os confrontos no Congo já deslocaram mais de 500 mil pessoas no país desde o início de janeiro, registrando pelo menos 100 mortes e mais de mil feridos.
A Opera Mundi, Paris Yeros, doutor em Relações Internacionais e professor do programa de pós-graduação em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (UFABC), apontou que o cenário no Congo tem relações com a transição do novo governo norte-americano, uma vez que “Ruanda tem uma relação já estabelecida com os Estados Unidos e com o Ocidente”.
“A entrada de Donald Trump já sinaliza que esse conflito vai se acirrar. O governo do Congo tem uma relação estreita com a China: troca minérios por infraestruturas construídas pelos chineses. O Congo tem minérios muito importantes para as novas tecnologias, baterias de lítio, aparelhos eletrônicos, inclusive material metálico de alta tecnologia”, afirmou o docente, acrescentando que a intervenção de Ruanda é uma postura que visa ganhos estratégicos.

O grupo de milícias M23, apoiado por Ruanda, reivindicou a cidade de Goma, a maior do leste congolês, no início desta semana; território é rico em minérios
Interesses ocidentais
As disputas que recentemente tomaram proporções, na verdade, começaram há décadas. Um dos capítulos decisivos, que explica os confrontos, de hoje é o mandato do general Mobutu Sese, que governo o Congo desde 1971 até o fim da década de 90.
Após o golpe de Estado que o levou ao poder, o militar mudou o nome do país para Zaire – nome que foi abandonado após o fim do seu mandato – e passou a receber forte apoio militar, diplomático e econômico dos Estados Unidos, França e Bélgica, para que “combatesse o comunismo” na África francófona.
Segundo o professor Yeros, a região foi “convulsionada de maneira dramática e trágica nos Anos 90”.
“Mobutu realizou um golpe de Estado no Congo, com apoio dos Estados Unidos, da CIA, e por todo esse aparelho ocidental que tinha interesse em manter controle sobre essa vasta região. Quando caiu, depois de 30 anos, em 1995, aconteceu a primeira guerra civil do Congo, na qual os Estados Unidos tentaram retomar o controle”, explicou Yeros.
Por um lado, o M23 justifica suas operações no território congolês prometendo defender os interesses da comunidade minoritária dos tutsis contra as milícias étnicas hutus, como as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), fundadas por aqueles que fugiram de Ruanda após participarem do genocídio de 1994, que deixou cerca de um milhão de mortos.
No entanto, tratando-se de um contexto envolvendo interesses estrangeiros e de um território rico em minérios, o acadêmico avaliou que “cultura e etnia não determinam o conflito”, mas sim como “a diversidade cultural, étnica e linguística é mobilizada para fins políticos”.
“A riqueza do Congo e as disputas em torno dela encontram um terreno fértil nas diversidades, mobilizam-se para vários fins e criam narrativas de conflito étnico, como se fosse a causa principal”, disse.
Já durante o mandato de Joseph Kabila, entre 2001 e 2019, o primeiro presidente eleito por voto direto na República Democrática do Congo, o governo local tentou romper relações com os Estados Unidos. O fato levou Washington a promover mais uma guerra, mobilizando países como Uganda e Ruanda para invadir e tomar o país, e assim exercer maior controle sobre a região e seus recursos.
“O M23 pode até ter certas reivindicações legítimas, querendo maior controle sobre terras, são populações camponesas. Tudo isso pode ser resolvido através de negociações e meios diplomáticos. Porém, Ruanda quer tomar uma boa parte”, explicou Yeros.
“Ruanda também está projetando o poder. O país já se apropria desses minérios no Congo, extrai eles e exporta por conta própria. Estamos falando de receitas bilionárias. Quando Ruanda diz que está protegendo a população tutsi, essa narrativa é extremamente parcial”, acrescentou.