O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, dedicou suas últimas semanas do ano a uma série de inquietantes postagens em suas redes sociais. Ao revelar o nome de quem deverá ser seu embaixador na Dinamarca, ele agregou que “para a segurança nacional e a liberdade em todo o mundo, os Estados Unidos da América sentem que a propriedade e o controle da Gronelândia são uma necessidade absoluta”. E ainda se dirigiu ao “povo da Groenlândia”, afirmando que este “quer que os EUA estejam lá, e nós estaremos!”.
A resposta da Dinamarca, à qual pertence a enorme e estratégica ilha da Groenlândia, foi rápida. Veio na forma de anúncio de um grande pacote de investimentos para reforçar a defesa da ilha, num montante que deve chegar a 1,3 bilhões de euros.
Não contente com alfinetar a Dinamarca, Trump também ameaçou a integridade territorial do Panamá e a soberania do Canadá.
‘Exigiremos que o Canal do Panamá seja devolvido’
O homem que assumirá a presidência do país mais poderoso do mundo reclamou das “injustas” taxas que os navios dos EUA pagam para passar pelo Canal do Panamá. “Se isso não mudar, exigiremos que o Canal seja devolvido aos EUA — integralmente, rapidamente e sem questionamentos”, ameaçou em suas redes. Também escreveu que o Panamá “estava roubando o Canal” dos EUA.
Em suas mensagens natalinas, incluiu “os maravilhosos soldados chineses que operam amorosa, mas ilegalmente no Canal do Panamá”. Era uma maldosa insinuação sobre a crescente influência da China no entorno do canal que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Iniciado pelos franceses e concluído pelos pelos EUA em 1914, o Canal passou ao controle do Panamá em 1977. Trata-se de um ponto estratégico para o comércio marítimo internacional.
O presidente do Panamá, José Raúl Mulino reagiu às ameaças dizendo que “cada metro quadrado” do canal permaneceria nas mãos dos panamenhos. Trump respondeu: “Veremos sobre isso”, na Truth, rede social de sua propriedade.

Povoado na Groenlândia, nos poucos meses em que não está coberto de neve
‘O Canadá poderia ser o 51º estado dos EUA’
As felicitações natalinas de Trump também incluiram provocativamente o “governador do Canadá, Justin Trudeau”. O ‘rebaixamento’ do primeiro-ministro canadense à condição de ‘governador’ foi uma alusão à sugestão de Trump de transformar aquele país no 51º estado norte-americano. “Seria uma ótima ideia”, disse ele numa das inúmeras vezes em que repetiu a ideia.
A embaixadora do Canadá nos EUA, Kirsten Hillman, respondeu insinuando que não era o caso de se levar a sério a sugestão: “Acho que o presidente eleito está se divertindo um pouco. O Canadá aguenta. Nós temos um forte senso de quem somos e podemos com isso.”
A isso se somam os planos anunciados por Trump de promover uma “invasão suave” do México. Sob a justificativa de combater o tráfico de drogas, ele chegou a dizer que poderia ordenar operações militares dentro das fronteiras mexicanas ou ataques com drones ao país.
As ameaças de Trump são sérias?
A pergunta ecoou em vários veículos que noticiaram as postagens do presidente eleito. Afinal, no seu primeiro mandato, ele fez inúmeras declarações absurdas que não resultaram em nada. Sugeriu injeções de alvejante contra a Covid ou bombardear furações para desviá-los.
Mas alguns analistas avaliam que desta vez é diferente, que Trump deixou de agir como um incorporador imobiliário e aprendeu a agir como um político. Aprendeu, por exemplo, a falar em segurança nacional para ser mais parlamento do seu país, que a partir de 20 de janeiro estará sob controle republicano.
As declarações aparentemente tresloucadas, que combinam blefe e intimidação, estariam projetadas para obter vitórias menores. “É uma tática para perturbar o status quo e melhorar a posição de barganha da Casa Branca”, opina Larry Jacobs, diretor do Centro de Estudos de Política e Governança da Universidade de Minesota, ouvido por The Guardian. Ele vê nas declarações de Trump a intenção proposital de abraçar a irracionalidade para manter os adversários na dúvida e na defensiva.
De qualquer forma, seu discurso isolacionista e suas declarações de não querer conflitos com outros países contrastam com todas essas postagens.
Ambicionada Groenlândia
De qualquer forma, o interesse de Trump na Groenlândia não é novo e seu país já ambicionava a ilha antes mesmo que ele nascesse. Um documento do departamento de Estado de 1867 destacava a localização estratégica da gigante ilha congelada, assim como seus ricos recursos naturais. “Deveríamos comprar a Islândia e a Groenlândia, especialmente esta última. As razões são políticas, militares e comerciais”, dizia o documento.
Os EUA mantêm uma base militar na ilha desde 1943. Na época, a Dinamarca estava ocupada pelos nazistas e a localização da base era estratégica para missões de defesa antimísseis e de vigilância espacial. Em 1946, logo após a II Guerra Mundial, o presidente Harry Truman ofereceu U$ 100 milhões em barras de ouro pela ilha, mas a proposta foi rejeitada pela Dinamarca. O próprio Trump, em 2019, já tinha anunciado sua intenção de comprar a ilha e, diante das declarações negativas do governo dinamarquês, chegou a cancelar uma viagem ao país.
A Groenlândia foi colônia da Dinamarca do século 18 até 1953, quando se integrou a esse país. Em 1979, após um referendo, a ilha tornou-se território autônomo, com alguma margem de autogoverno, que foi ampliada em 2009. Em 2018, a independência estava em pauta durante o processo eleitoral. A ilha tem até seu próprio primeiro-ministro, mas sua defesa e sua política externa permanecem sob controle dinamarquês.
“A Groenlândia pertence ao povo da Groenlândia”, disse o primeiro-ministro groenlandês Mute Egede em resposta a Trump.
Melhorando a defesa
Pouco depois, o ministro da Defesa da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, anunciou os novos investimentos da defesa da ilha. Isso incluirá a aquisição de dois navios patrulha, drones de longo alcance, aumento do contingente de soldados e de trenós para patrulha terrestre, além da modernização dos três principais aeroportos para que possam receber caças F-35.
Adquirir terras de outro país não é algo tão estranho à história norte-americana. O país comprou a Flórida da Espanha, a Louisiana da França, o Alasca da Rússia e as Ilhas Virgens, da própria Dinamarca. No caso da Groenlândia, entretanto, é muito pouco provável que a Dinamarca viesse a mudar de ideia e vender a ilha.
Com quase 2,18 milhões de quilômetros quadrados e apenas 59 mil habitantes, a Groenlândia não só tem uma localização estratégica como é muito rica em importantes recursos. Possui jazidas de ferro, alumínio, níquel, platina, tungstênio, titânio, cobre e grandes quantidades de terras raras, como são chamados um conjunto de elementos de vital importância para o setor eletrônico, de defesa e para a transição energética. Atualmente, a China quase que monopoliza a produção mundial de terras raras. Por tudo isso, a Europa há anos busca um bom acordo para ter atividades mineiras na Groenlândia.
Além disso tudo, com o aquecimento global, os cientistas prevêem que a ilha, hoje coberta de gelo, se transformará numa terra verde, fazendo jus ao seu nome.