Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Uruguai, Tabaré Vázquez, se reuniram esta semana e afirmaram, em declaração conjunta, seu compromisso em torno de dois assuntos centrais nas relações bilaterais: a saída direta de produtos bolivianos para o Oceano Atlântico através de portos uruguaios e a possibilidade de uma conexão mais direta para o gás entre os dois países.
Quanto ao último ponto, o Uruguai propôs na semana passada à Bolívia a construção de uma usina de liquefação de gás no porto de Montevidéu, com exploração conjunta dos dois países. A iniciativa seria acompanhada pela construção de um gasoduto que sairia da Bolívia e passaria pelo Brasil e pelo Paraguai para chegar ao Uruguai. Depois de processado na usina, o gás poderia ser vendido no mercado internacional através do porto, algo difícil para o país andino atualmente, já que ele só conta com saída pelo Oceano Pacífico através de portos chilenos.
Durante o encontro na residência presidencial na segunda-feira (13), Vázquez disse a Morales que seu país é sensível à “espoliação dos recursos naturais da Bolívia, que persiste”, disseram fontes do Executivo uruguaio ao Opera Mundi. O Uruguai acredita que o preço que a Argentina e o Brasil pagam pelo gás boliviano é muito menor do que o verdadeiro valor do produto. Com a diversificação da demanda, a Bolívia teria maior capacidade de negociar preços com seus vizinhos.
Ao mesmo tempo, o Uruguai procura se beneficiar com o gás boliviano, que seria obtido a preços mais baixos em troca da saída para o mar. “Queremos pagar o preço justo, sem fazer caridade. É uma opção de negócio muito interessante: a Bolívia pode vender gás ao mundo todo a preços razoáveis e o gás que permanece em Montevidéu fica com um preço muito bom”, explicou ao Opera Mundi o diretor nacional de energia do Ministério da Indústria do Uruguai, Ramón Méndez.
Aliança entre pequenos
Mas falta muito para que a ideia se concretize. O primeiro passo será conversar com o Brasil para convencer o país a permitir a passagem do gasoduto por seu território, embora não esteja prevista sua participação no negócio. “Em relação ao Brasil, é suficiente que nos deixe passar. Não é necessário que o país tenha nenhum interesse em particular”, afirmou Méndez.
Em segundo lugar, faltam estudos técnicos, ambientais e de viabilidade econômica, além da definição do financiamento. Calcula-se que o custo de um gasoduto desse tipo possa chegar a dois bilhões de dólares, e que sua construção levaria entre seis e oito anos.
Por outro lado, a interconexão energética continua sendo um assunto pendente na região. O projeto do Gasoduto do Sul proposto pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que atravessaria todo o continente, ficou suspenso com a decisão do Brasil de cancelar a implementação. As razões não foram comunicadas oficialmente, mas afirma-se que a decisão foi motivada pelos custos elevados e dificuldades logísticas. A interconexão energética também foi definida como um tema central da recém-criada União de Nações Sul-americanas (Unasul), mas até agora não houve grande avanço.
No caso do Uruguai, a aposta é a mesma que em outros âmbitos: reforçar a aliança com os países menores. Desde dezembro de 2008, fala-se em fortalecer a “Urupabol”, a aliança entre Uruguai, Paraguai e Bolívia. O Uruguai tem também projetos com os grandes da região – por exemplo, continua em pé a ideia de construir uma planta de gás liquefeito em conjunto com a Argentina -, mas a aposta é na diversificação.
“O Uruguai precisa de gás e só está comprando da Argentina. E como a Argentina está deixando de ser exportador para se tornar importador de gás natural, o gás que o país vende acaba sendo caro e insuficiente”, explicou Méndez. Outro aspecto que preocupa as autoridades e pesa nas decisões são as tarifas que a Argentina aplica ao gás e que contribuem para o encarecimento.
Saída livre
Por outro lado, ambos os presidentes manifestaram a vontade de concretizar a saída para o mar de produtos bolivianos através dos portos uruguaios, em regime de porto livre, ou seja, sem que estes entrem formalmente em território uruguaio. O chanceler boliviano, David Choquehuanca, disse à imprensa de seu país que “(o Uruguai) se comprometeu a abrir todos os portos para as mercadorias bolivianas, e isto significa que os exportadores bolivianos poderão chegar a mais de um determinado país, o que o Chile não permite”.
Esta concessão não se misturou ao tema do gás – porque, entre outras coisas, o acordo para oferecer saída ao mar aos produtos bolivianos já vigora há anos, explicou ao Opera Mundi o presidente da Administração Nacional de Portos do Uruguai, Fernando Puntigliano.
Desde 1977, Uruguai e Bolívia têm um acordo para que este último utilize os portos do primeiro, e desde 1992 isso pode ser feito em regime de porto livre. “Oferecemos várias vezes ajuda à Bolívia com serviços portuários, pois a partir de Santa Cruz o transporte até o Atlântico é mais barato que até o Pacífico. No entanto, para isso é preciso ter uma regularidade e uma confiabilidade no transporte que ainda não estão estabelecidas. A única novidade nesta reunião de presidentes foi a manifestação da vontade política para que isto se concretize”, afirmou Puntigliano.
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