No próximo dia 25 de outubro, os uruguaios decidirão se deve ser anulada a “lei de prescrição da pretensão punitiva do Estado”, que consagrou a impunidade dos militares responsáveis por violações dos direitos humanos durante a última ditadura (1973-1985). A Corte Eleitoral anunciou na semana passada que foram reunidas as assinaturas necessárias (285 mil) para submeter a norma à opinião dos eleitores em plebiscito.
A lei de prescrição foi aprovada pelo Parlamento em 1986, um ano depois do fim da ditadura. Foi proposta pelo então governista Partido Colorado, que insistia na necessidade de uma “solução pacificadora” que acalmasse os ânimos dos militares. A norma dá ao Poder Executivo a autoridade de decidir quais casos devem ser incluídos na lei e quais devem ser excluídos e, portanto, julgados. Em 1989, a lei foi submetida a um referendo sobre a revogação, mas acabou ratificada pela maioria dos uruguaios.
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Com a chegada ao poder da coalizão de esquerda Frente Ampla, em março de 2005, a interpretação da norma mudou. O governo liderado por Tabaré Vázquez considerou que os comandantes militares não eram amparados pela lei, o que permitiu o processo e a detenção das autoridades mais emblemáticas do período da repressão.
No entanto, devido a compromissos assumidos na campanha eleitoral de 2004, a Frenta Ampla negou-se a permitir que o Parlamento revogasse a lei, denunciada por vários organismos internacionais, entre eles a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como uma violação dos direitos humanos. Em 4 de setembro de 2007, foi criada a Coordenação Nacional pela Anulação da Lei de Prescrição, integrada por organizações sociais e políticas (entre elas a própria Frente Ampla), e iniciou-se uma campanha de coleta de assinaturas que atingiu seu objetivo pouco antes do fim do prazo constitucional.
Apoios cruzados
“A expressão da vontade da população foi ampla e hoje caminhamos para um pedido de anulação. A Coordenação está convocando todos os democratas do país, independentemente do partido em que votem, pois aqui existem duas possibilidades: ou se está a favor da verdade e da justiça, ou a favor da impunidade”, declarou ao Opera Mundi Luis Puig, líder sindical que integra a organização.
Puig observou que a situação atual é diferente da de 1989, quando os cidadãos apoiaram a lei. “Naquele momento, existia a clara ameaça de um golpe de Estado se a lei fosse anulada”, disse ele. “Havia desconhecimento dos crimes da ditadura, afirmava-se que não havia crianças desaparecidas e que prisioneiros não tinham sido executados. Hoje, as pessoas perderam o medo e foi comprovado que é possível processar os terroristas de Estado sem problema algum.”
Os partidos políticos estão divididos internamente. Salvo no caso da Frente Ampla, que convoca seus militantes a apoiar a anulação, os demais deixarão seus eleitores livres para escolher. Os líderes dos partidos Colorado e Nacional opõem-se em geral à anulação da norma, embora haja exceções: jovens dirigentes colorados votarão a favor da anulação, assim como os nacionalistas Juan Raúl Ferreira (filho do líder histórico Wilson Ferreira Aldunate, perseguido pela ditadura) e Matilde Rodríguez Larreta, viúva do político uruguaio Héctor Gutiérrez Ruiz, assassinado na Argentina no marco da Operação Condor.
Pesquisas recentes mostram que em todos os grupos partidários, haverá pessoas que votarão no “sim”. Segundo uma sondagem divulgada pela empresa Cifra no fim de maio, 65% dos simpatizantes da Frente Ampla votarão pela anulação, ante 26% dos nacionalistas e 27% dos colorados. Atualmente, 44% dos uruguaios se dizem dispostos a anular a lei, mas há 24% de indecisos, que deverão optar por uma das alternativas, pois no Uruguai o voto é obrigatório.
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