Bangladesh acordou nesta sexta-feira (09/08) com um novo governo. Nesta quinta (08/08), o prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus assumiu interinamente o cargo de premiê do país asiático, dias depois da queda da primeira-ministra Sheikh Hasina, pressionada por protestos estudantis durante semanas.
Yunus discursou durante a cerimônia de posse na capital Daca, prometendo respeitar os princípios constitucionais e também que iria priorizar a restauração da “lei e da ordem” no país, marcado nas últimas semanas por diversas manifestações contra o governo de Hasina.
“Defenderei, apoiarei e protegerei a Constituição”, afirmou Yunus ao ser empossado para o comando provisório de Bangladesh, no sudeste asiático, acrescentando que pretende desempenhar suas funções “com sinceridade”.
“A lei e a ordem são nossa primeira tarefa (…) Não podemos dar um passo adiante a menos que solucionemos a situação da lei e da ordem”, declarou poucas horas antes o economista de 84 anos, ao retornar para seu país vindo da França, onde assistia aos Jogos Olímpicos.
Conhecido como “banqueiro dos pobres”, Muhammad Yunus venceu o Nobel da Paz em 2006 por ter criado um sistema de microcrédito para a população em zonas rurais. Na época, a medida pioneira na área contribuiu para tirar milhões de pessoas da pobreza no país.
Queda do governo após protestos
Os protestos contra o governo que derrubaram Sheikh Hasina, que estava no poder há 15 anos, deixaram pelo menos 455 mortos desde o início de julho, segundo um balanço da AFP baseado em dados divulgados pela polícia, as autoridades do governo e fontes médicas.
“Bangladesh comemora uma segunda independência”, afirmou Yunus. O economista foi designado para liderar o governo interino após uma reunião de crise entre o presidente do país, Mohammed Shahabuddin, os comandantes militares e os líderes do movimento estudantil à frente das mobilizações.
A perspectiva de ver Yunus ao lado dos principais comandantes militares era inimaginável há uma semana, quando as forças de segurança atiravam contra os manifestantes.
Os atos que levaram à renúncia de Hasina, de 76 anos, começaram com protestos estudantis contra o sistema de cotas para admissão no serviço público. Seus críticos alegam que o dispositivo beneficiava grupos leais à Liga Awami, o partido da ex-premiê.
População clama por segurança
Nas ruas da capital, os moradores expressam a necessidade de justiça e segurança. A população demonstra seu desejo de mudança, mas também a sua confiança no que alguns chamam de “uma revolução” e outros de “uma segunda independência”.
“O que os estudantes e as pessoas como um todo têm conseguido é um reflexo das nossas expectativas. Queríamos esse levante massivo”, disse Lalchand Badsha, 29 anos, em entrevista à RFI. “O governo da época tentou retratar o seu povo e a oposição em geral como extremistas ou terroristas. Mas Bangladesh não é isso. O que está acontecendo hoje reflete o ressentimento da população por tudo o que viveu nos últimos quinze anos”, explica.
A polícia abandonou as ruas e mais de 230 pessoas morreram desde a queda do regime na última segunda-feira (05/08). Além da segurança, os entrevistados também sentem a necessidade de justiça para as vítimas.
Por isso, programaram encontros em memória delas nesta sexta. Uma tarefa muito pesada aguarda, portanto, a autoridade de transição que terá de curar as feridas de um país marcado pela violência, mas acima de tudo restaurar uma democracia muito danificada por 15 anos de um governo autocrático.
Sem polícia, moradores se mobilizam
Por conta da falta de policiais e outros agentes de segurança nas ruas, a própria população civil tem se organizado para tentar garantir o mínimo de ordem em algumas esferas sociais. Eles tentam, por exemplo, organizar o trânsito em algumas ruas da capital, precarizado também por conta da destruição de semáforos durante os protestos.
“Não existe nenhuma lei neste momento contra carros ou outros veículos se estes não seguirem as regras de segurança. É um problema porque as pessoas não estão conscientes do perigo e não estão vigilantes”, explica Fahim, membro de um dos grupos de voluntários, atuando com guarda improvisado em um cruzamento movimentado da capital.
Assim como ele, o estudante Lima Akter Mim, de 22 anos, usa colete amarelo e apito na boca desde segunda-feira e também tenta organizar o vai e vem de veículos. “Não há mais polícia lidando com o trânsito. É por isso que nós, estudantes, estamos substituindo a sinalização. Todos nos respeitam e apreciam o que fazemos (…) As pessoas nos apoiam com água, comida e nos ajudam em tudo. Não temos preocupações ou problemas”.
“Os estudantes cumprem suas missões sob o sol. Dissemos a nós mesmos que era o melhor para dar a eles”, disse um homem ao entregar um guarda-chuva aos “policiais improvisados”. Os moradores dizem que querem fazer a sua parte para construir o que chamam de “um novo Bangladesh”.