Sexta-feira, 14 de novembro de 2025
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A reeleição de Evo Morales como presidente da Bolívia, no último domingo (6), foi a vitória consolidada de um projeto político. A margem de 63%, obtida logo no primeiro turno, ampliou para ele o apoio ao plano de mudança social, política e econômica do governo, ajudado pelo carisma do primeiro presidente democraticamente eleito de etnia indígena, como a maioria da população do país. No entanto, mais discreto, como em geral são os vices, mas nem por isso menos ativo, esteve o tempo todo o vice-presidente de Evo, também reeleito: Álvaro García Linera.

Matemático, autodidata em ciências sociais e ciência políticas, García Linera nasceu em Cochabamba em 1962. Ainda jovem, fez parte da direção ideológica do Exército Guerrilheiro Túpac Katari, dedicando-se a elaborar documentos de formação política. Em abril de 1992, ficou desaparecido por sete dias, torturado pelos organismos de inteligência da Bolívia. Foi encaminhado para a prisão de Chonchocoro, acusado de sublevação e revolta armada. Depois de cumprir cinco anos de prisão, sem processo legal e sem sentença, foi solto em liberdade em junho de 1997. Torna-se professor em várias universidades do país, em sociologia, filosofia, ciência política e comunicação. Guindado à condição de ideólogo do partido MAS (Movimento ao Socialismo), foi eleito vice na chapa de Evo Morales em 2005.

Considerado por alguns como “eminência parda” do governo boliviano, García Linera explica, nesta entrevista exclusiva ao Opera Mundi, como se deu a luta política no país andino nos últimos anos, desde a ascensão de Evo até a reeleição.

Cézaro De Luca/EFE



Álvaro García Linera em campanha com o presidente da Bolívia, Evo Morales

Em dezembro de 2007, em palestra na Universidade de La Paz, o senhor lançou a tese do “empate catastrófico”: a coexistência de duas forças ideologicamente antagônicas com sustentação social no país, equiparadas em força política e geograficamente separadas, criando um impasse insolúvel. Esse empate foi agora rompido?

Hoje posso afirmar que o “empate catastrófico” está se rompendo pela via pacífica e democrática do voto, fruto da mobilização e da consciência do povo. E está sendo rompido em favor das forças populares. Lembro que, com a primeira eleição de Evo Morales, estabeleceu-se uma queda de braço, sem que nenhum dos lados pudesse prevalecer. O presidente conseguiu, com o lastro decorrente de sua eleição em primeiro turno, levar adiante algumas de suas principais bandeiras: a nacionalização dos hidrocarbonetos e medidas no âmbito social de proteção aos idosos e crianças. No entanto, a nova constituição de refundação do Estado boliviano estava patinando. Na Assembléia Constituinte, Evo tinha maioria, mas não qualificada (de dois terços). As instituições como o Poder Judiciário estavam esvaziadas e os projetos econômicos não avançavam. A correlação equilibrada de forças levava paulatinamente o governo a uma certa paralisia, propícia à desestabilização. Era o “empate catastrófico” que deveria ser decidido a favor de um dos lados.

 

Em que momento se deu o auge desse confronto?

Tínhamos cometido um grave erro. Cedemos a bandeira da autonomia, que era uma velha reivindicação dos movimentos populares e das comunidades indígenas, à oposição. A avaliação das forças de oposição, da oligarquia e seu braço fascista-racista, a Unión Juvenil Cruceñista, da totalidade da grande mídia privada e do embaixador norte-americano, Philip Goldberg, era de que o presidente tinha ficado de joelhos. Mal podia transitar nos territórios da “meia-lua” [as províncias do leste boliviano]. Os movimentos populares, base de apoio político do presidente, apresentavam algumas fissuras. A oposição mostrava força política, pois tinha vencido os “referendos autonomistas” nos quatro departamentos – Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija. A tese da secessão e do desmembramento da Bolívia prosseguia. Era chegado o momento, pensavam eles, de dar o xeque-mate que viria com fundamentos de legalidade para afastar qualquer rejeição interna ou internacional.

Como se daria esse xeque-mate e qual foi a reação do governo?

Quando o Senado da Bolívia, em que a oposição, aprovou a insistente proposta de Evo de referendo revogatório do mandato presidencial, no final de junho de 2008, houve perplexidade. Nós tínhamos evidente temor pelos resultados. Evo recebeu do presidente do Senado o projeto do referendo com data marcada para 10 de agosto e imediatamente sancionou. Com o passar dos dias, a oposição começou a perceber que diferentes setores da sociedade passaram a apoiar o presidente e criou travas para sua realização. Evo concordou com mudanças em regras do projeto. Chegou o 10 de agosto. Presidente e vice foram confirmados. Quatro governadores de oposição confirmados, dois governadores de oposição revogados, dois governadores governistas confirmados. Evo consolidou sua posição. Teve, em toda a Bolívia, 67% dos votos, 13 pontos a mais do que na eleição presidencial.

E não teria sido aí o desempate?

Não. A oposição tinha sofrido uma grave derrota mas, desesperada, resolveu partir para o tudo-ou-nada. O objetivo era criar o caos, desestabilizar o governo e derrubar o Evo por meio de golpe de estado: massacre em Pando, atos terroristas em Tarija e Santa Cruz, invasão, destruição e ocupação de bens do governo central. A conjuntura se tornou extremamente tensa. Evo resolveu expulsar o embaixador estadunidense, metido na conspiração. Os presidentes dos países da região, por unanimidade, decidiram respaldar Evo Morales e propuseram a volta às negociações. Como elas não evoluíram, Evo resolveu partir para a ofensiva: enviou ao Congresso a tarefa de revisar a nova Constituição e determinar prazo para sua aprovação em referendo popular. Uma colossal marcha de Oruro e La Paz, com centenas de milhares de participantes, pressionou os congressistas a concluir os trabalhos de revisão, marcando o referendo para o dia 25 de janeiro de 2009 e as eleições gerais para presidente, senado e câmara para 6 de dezembro de 2009.

Como se votou no referendo?

O processo foi justo, limpo, democrático e transparente. O comparecimento às urnas foi de mais de 90%. A Constituição de refundação da nação boliviana foi aprovada por significativa maioria: 62% contra 38%.

A Bolívia enfim chegou ao dia 6 de dezembro…

Nós havíamos previsto que essas eleições poderiam desempatar o jogo. Era preciso garantir uma contundente votação presidencial, avançar nos redutos da oposição e alcançar dois terços na Assembleia Plunacional. Você não acha que conseguimos?

Essa vitória eleitoral se deve aos erros da oposição ou aos acertos do governo?

Eu diria que a ambos. Mas nós tivemos habilidade política e houve acertos do governo também. A nacionalização dos hidrocarbonetos, a Renda Dignidade para os maiores de 60 anos, o benefício Juancito Pinto para as crianças em idade escolar, a boa condução da macroeconomia, enfim, tantas outras coisas positivas.

Evo Morales foi reeleito montado nessa montanha de votos. E agora?

O futuro governo terá de impulsionar a construção das estruturas de um novo Estado, baseado na Constituição que determina o estabelecimento de novas instituições, o sistema jurídico, o sistema educativo, o sistema de saúde e a previdência social, além da implantação do regime das autonomias departamentais, municipais e indígenas. É uma tarefa árdua para nossos legisladores, que têm prazo de apenas seis meses para discuti-las e aprová-las.

No discurso de comemoração da vitória, na sacada do palácio presidencial, Evo Morales apelou para a unidade dos amplos setores da nação e para a participação da classe média. O que isso significa?

Temos de implementar uma economia diversificada, tendo como principal ator o Estado, ou seja, partir para a industrialização e agregar valor às nossas riquezas naturais, como o gás, o petróleo e o lítio. Para tanto, necessitamos de milhares de quadros especializados e da participação dos empresários. Sem contar com os investimentos externos que estamos negociando e vamos precisar reforçar. E, atenção: a riqueza gerada será distribuída entre os empresários, camponeses e operários.

Os principais jornais e os líderes mais destacados da oposição, além de comentaristas conhecidos, previram que, com a margem eleitoral obtida, a Bolívia poderia encaminhar-se para um regime de restrições às liberdades e Evo poderia virar um ditador.

É preciso que os opositores respeitem democraticamente a vontade popular. Recordo, além do mais, que a Constituição amplia a responsabilidade do Estado como garantidor dos direitos de todos os cidadãos. O presidente Evo já deus provas de respeitar a Constituição e as leis. Será que eles respeitaram e as respeitam?

Vice de Evo defende Estado como ator principal da economia

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