Com quase 1,4 mil civis oficialmente mortos desde 6 de março, a guerra civil dá sinais de ressurgimento na Síria. Apesar de iniciativas como integrar grupos curdos na administração e prometer investigar a morte de civis, analistas questionam a capacidade de o governo interino manter a paz ou mesmo ter controle real sobre vastas porções do país.
A atual onda de violência é direcionada aos alauítas, etnia minoritária na Síria, mas que esteve no poder por décadas, por serem o grupo étnico dos Assad, pai e filho que lideraram o país entre 1971 e 2024. Outras correntes muçulmanas coabitam o território sírio como xiitas, sunitas e curdos , além de cristãos e acomodar esses interesses distintos é tarefa do futuro governo.
“Não acredito que o presidente interino, Ahmed Sharaa, tenha capacidade de estabelecer um governo inclusivo”, disse ao Brasil de Fato o analista político Mohammed Nadir, se referindo ao líder rebelde que assumiu o comando do país. Sharaa integrou a Al Qaeda até 2016.
“Ele é um ex-integrante de uma organização listada internacionalmente como terrorista. Apesar de parecer mais calmo, acredito que para liderar um país tão multicultural é preciso ter comprovadas habilidades políticas. Os integrantes de seu grupo devem continuar acreditando na criação de um califado islâmico [governo religioso] e, portanto, o pressionando para isso”, completou.
À agência AFP, o especialista em Síria da Universidade de Oklahoma Joshua Landis disse que “o caos das milícias que vimos nas cidades costeiras alauítas nos indica […] que o novo exército sírio não tem controle”. Esta violência, segundo ele, “minará os esforços do presidente interino, Ahmed al Sharaa, para consolidar seu poder e convencer a comunidade internacional de que controla a situação e que pode controlar as numerosas milícias que supostamente estão sob seu comando”.
Já Aron Lund, do grupo de reflexão Century International, destacou para a AFP que o Executivo “é fraco e está preso a forças que escapam ao seu controle”. “Deve comportar-se bem com a comunidade internacional mas também tem que manter sua base islamista do seu lado”, acrescentou.

Novas autoridades sírias anunciaram a prisão de pelo menos sete pessoas desde segunda-feira, acusadas de cometer “abusos” contra civis
Os novos líderes “pediram moderação e alertaram contra o sectarismo, e isso é bom […] O problema é que esses discursos moderados não parecem ter sido ouvidos pelas antigas facções rebeldes, que agora supostamente devem funcionar como o exército e a polícia”, disse Lund.
A estes desafios, soma-se o de dissolver os grupos armados do país, algo que as novas autoridades prometeram fazer.
Alauítas e curdos
A violência eclodiu na última quinta-feira após um ataque sangrento de homens leais ao presidente deposto Bashar al Assad contra forças de segurança em Jableh, perto da cidade costeira de Latakia, no oeste do país. A situação rapidamente degenerou em confrontos quando homens armados alauítas, que as autoridades descreveram como leais a Bashar al Assad, abriram fogo contra várias posições das forças de segurança.
Mais tarde, o OSDH relatou “execuções sumárias” dirigidas principalmente contra civis da comunidade alauíta no contexto desses confrontos. Em uma tentativa de acalmar a situação, a Presidência anunciou no domingo a formação de uma “comissão independente de investigação sobre abusos contra civis” para identificar os responsáveis e “levá-los à justiça”.
As autoridades anunciaram a prisão de pelo menos sete pessoas desde segunda-feira, acusadas de cometer “abusos” contra civis, e as levaram a um tribunal militar. Em paralelo, o governo provisório anunciou que a administração autônoma curda do nordeste passa a integrar a administração nacional, em um esforço para acomodar diferentes etnias e evitar a retomada das hostilidades. A medida foi elogiada pelo governo Trump.
“Os Estados Unidos acolhem com satisfação o acordo recentemente anunciado entre as autoridades interinas sírias e as Forças Democráticas Sírias para integrar o nordeste em uma Síria unificada”, disse o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ao se referir às FDS dirigidas pelos curdos e aliadas de Washington.