A maior parte dos analistas ouvidos pela mídia europeia avalia que a volta de Donald Trump à Casa Branca é uma péssima notícia para a Europa. Suas promessas de campanha, se cumpridas, trarão o enfraquecimento econômico da região, a redução do apoio militar aos interesses da União Europeia e o fortalecimento da tendência à ascensão da extrema direita nos governos do velho continente.
“A Europa deve se preparar para um mundo no qual os Estados Unidos já não desempenhem o papel que têm hoje. A era em que eles estavam extremamente presentes na Europa acabou”, avalia Serge Jaumain, professor de história contemporânea da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), em reportagem da Euronews.
Em um evento de campanha, ele disse que não defenderia os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no caso de um ataque da Rússia, se eles não cumprissem com suas obrigações de gastos em defesa.
OTAN pode acabar enfraquecida
Só 23 dos 31 membros cumprem com os 2% do PIB que deveriam destinar à aliança e Trump disse há duas semanas que o percentual deveria chegar a 5%. O republicano chegou a ameaçar abandonar a aliança, o que enfraqueceria a aliança, uma vez que os Estados Unidos arcam com mais de 16% do financiamento da OTAN.
Além de exigir maior participação dos sócios no financiamento da OTAN, Trump parece determinado encerrar a guerra na Ucrânia ou a cortar o apoio militar e financeiro que Washington entrega a Kiev desde 2022, que já movimentou dezenas de bilhões de dólares.
Durante a campanha eleitoral, ele criticou os gastos de seu país com a guerra, prometeu acabar com ela e criticou várias vezes o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Além disso, anunciou que está preparando uma reunião com o presidente russo Vladimir Putin para discutir a questão.
“O risco para a União Europeia é que Trump corte o fornecimento de armas para a Ucrânia”, disse à Euronews o analista de conjuntura do Fund German Marshal, Bart Szwczyk.
Trump pode negociar a paz na Ucrânia à revelia da UE
Szwczyk acredita até na possibilidade de que Putin feche um acordo de paz com o presidente russo Vladimir Putin “passando por cima dos ucranianos e dos europeus”. Em qualquer caso, sem o apoio americano, Zelensky seria obrigado a negociar a rendição. A menos que a União Europeia aceitasse pagar por toda a ajuda que a Ucrânia precisa.
O cientista político espanhol Alejandro Pérez acredita que Trump está determinado não só a não financiar a guerra, como a chegar a um acordo de paz com a Rússia.
“Seu grande adversário é a China e eu acredito que ele ainda tem esperança de atrair a Rússia como aliado, apesar da recente aproximação de Moscou com os chineses”, diz Pérez.
A relação cordial que Trump teve com Putin no passado pode indicar uma tendência à menor tensão entre os dois países. “Com isso, a Europa passaria a arcar sozinha com toda a pressão em suas disputas com a Rússia”, avalia Sérgio Castaño Riaño, doutor em estudos europeus e relações exteriores da União Europeia, em artigo disponível online.
Pérez acredita, aliás, que a guerra na Ucrânia foi um fator que impulsionou o crescimento da extrema direita na Europa. Isso porque os políticos desse espectro se opuseram fortemente ao envio de armas à Ucrânia, enquanto Bruxelas e os governos liberais lutavam por apoiar a Ucrânia contra a Rússia.

Analistas da mídia europeia acreditam que relação de Donald Trump com o continente pode ser conturbada
Guerra fortaleceu a extrema direita
“Enquanto o establishment de Bruxelas e da maior parte dos governos europeus apostava por armar a Ucrânia contra a Rússia, vista como adversária do continente, a extrema direita foi firmemente contra e defendeu o fim do conflito. Isso aumentou sua popularidade. O povo não quer guerra”, explica Pérez.
Outra promessa de Trump que preocupa os europeus é taxar em 10% as importações de todos os países (e em 60% as da China). Isso porque os Estados Unidos compram quase 20% das exportações da União Europeia. O país, aliás, era o maior comprador da UE até 2024, quando foi superado pela China. Trump já advertiu que o bloco europeu “pagaria um preço muito alto” por não comprar tanto quanto vendia aos Estados Unidos.
“Essas taxas de importação são possivelmente uma represália contra Europa. Em termos de relações comerciais, a ideia de Trump é proteger os Estados Unidos por todos os lados”, avaliou Jaumain falando à Euronews.
Protecionismo poderia fazer UE perder 0,5% de seu PIB
E se Trump fosse mais longe e decidisse abandonar a Organização Mundial do Comércio, o velho continente poderia perder a 0,5% do seu PIB, segundo cálculos do Instituto Kiel, organismo alemão independente de pesquisas econômicas.
Para piorar, a Europa tende a ser prejudicada também pela taxa de 60% que Trump pretende aplicar às importações chinesas acabará prejudicando a Europa. “Isso ocorre porque a China procurará outros mercados e seus produtos costumam ser mais competitivos que os europeus”, explicou ao La Vanguardia Eric Dior, diretor de estudos da IESEG, conceituada escola de negócios francesa.
A União Europeia já enfrenta esse problema com os carros elétricos chineses que invadiram o mercado europeu. O Velho Continente tem uma capacidade limitada para taxar os produtos chineses porque é muito dependente da China para bens essenciais.
Os analistas lembram ainda que, com mais taxas de importação, a inflação dos Estados Unidos tenderá a aumentar, o que pode atrasar a esperada baixa das taxas de juros. Isso, associado a um dólar forte e um euro mais fraco, pode tornar a área do dólar mais atrativa e rentável do que a do euro para os investidores. Mais perdas para a União Europeia.
Impulso renovado aos ultras
Além dos aspectos econômicos e de segurança, a volta de Trump à Casa Branca preocupa a União Europeia porque representará um novo impulso à extrema direita, que não para de crescer no continente.
Enquanto uma parte da direita tradicional de alguns países europeus reagiu com cautela à vitória de Trump, a extrema direita não escondeu seu entusiasmo. O novo presidente dos Estados Unidos já fez várias declarações elogiosas aos europeus da direita mais radical, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
Além disso, mesmo antes de sua posse, seu maior apoiador, o bilionário Elon Musk, já estava se imiscuindo na política europeia. Musk usou suas redes sociais para declarar apoio a Alice Weide, candidata de extrema direita às eleições que se celebram em fevereiro na Alemanha.
“Só a AfD pode salvar a Alemanha”, postou um dos empresários mais ricos do mundo, em referência ao partido Alternativa para a Alemanha, classificado naquele país como uma organização de ultradireita extremista e suspeita. Não contente com isso, Musk publicou um artigo de apoio ao AfD em um jornal alemão.
Além do ódio aos imigrantes, do discurso misógino e racista, Trump comparte com a ultradireita europeia a visão nacionalista e isolacionista. Os sentimentos antiglobalização e contra a União Europeia desses grupos encaixam como uma luva com os anseios de Trump de ter uma Europa dividida para negociar bilateralmente com cada país.