Para os sul-coreanos, a primeira semana de 2025 foi marcada pela incerteza envolvendo dúvidas sobre uma possível prisão do presidente afastado Yoon Suk Yeol, do Partido do Poder Popular (PPP) de extrema direita. E, para o advogado criminalista e civil Lee Hak Joo, do escritório de advocacia Chamjin, em Seul, o mandatário se aproveita de uma parcela da população que desconhece a lei, invertendo as narrativas ao alegar que as ações contra ele são “ilegais”.
A Opera Mundi, o especialista apontou que Yoon, ao mesmo tempo, segue firme em seu discurso de que a decretação da lei marcial foi “justa por ter sido imposta para expulsar as forças anti-estatais” que supostamente ameaçam a democracia nacional.
Hak Joo disse que a estratégia de Yoon para evitar a prisão é fazer com que as suas ilegalidades, tais como a marcial e a ordem para barrar a execução do mandado — que constitui “um crime especial de obstrução de funções oficiais” — façam “parecer serem legítimos”.
“O presidente disse ser ‘ilegal’ que o tribunal emita um mandado de prisão e a agência de investigação cumpra tal ordem, enquanto validou legalmente que o Serviço de Segurança, a mando dele, bloqueasse a execução da ordem, incitando uma propaganda para manipular e mobilizar o apoio da extrema direita”, disse Hak Joo. “Isto pode ser comparado aos métodos de propaganda e incitamento utilizados pelos antigos ditadores fascistas de extrema direita da Coreia do Sul.”
Na última terça-feira (07/01), um dia após a validade do mandado expedido pelo Tribunal Distrital do Oeste de Seul, o mesmo emitiu uma nova ordem de prisão a pedido da agência investigativa. Desta vez, esclareceram que o documento continha uma cláusula reforçando o respeito ao artigo 101 da Lei de Processo Penal, que determina que “o poder judicial pertence aos tribunais compostos por juízes”.
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Para o advogado, Yoon violou o dever de um chefe de Estado ao desafiar a Constituição: abusando do Serviço de Segurança, rejeitando que fosse investigado e manipulando os seus apoiadores sob acusações de que o tribunal e os investigadores cumprem “mandados ilegais”.
“Em outras palavras, as ações do presidente e do Serviço de Segurança da Presidência representam uma destruição da Constituição sul-coreana, do Estado de direito, da democracia e da ordem judicial”, avaliou Hak Joo.
“A Coreia do Sul é um país que se assemelha a uma luz na história mundial da democracia. Um lugar onde os seus cidadãos derrubaram a ditadura militar e concretizaram uma forma completa de democracia. No entanto, Yoon Suk Yeol (…) está enviando o país para décadas atrás”, acrescentou.
Julgamento do impeachment
Na avaliação de Lee Hak Joo, a expectativa é de que o processo de detenção e julgamento criminal do presidente afastado prossiga normalmente apenas quando o Tribunal Constitucional decidir destituí-lo do cargo no julgamento de impeachment e privá-lo do seu estatuto presidencial.
As audiências na Corte, divididas em cinco sessões, já estão marcadas para serem realizadas nas próximas terças (14/01) e quintas-feiras (16/01), e contam com a presença do mandatário.
Entretanto, o especialista explicou a Opera Mundi que o presidente sul-coreano e o partido governista também tentam articular um plano para invalidar uma possível aprovação do impeachment.
Na Constituição sul-coreana, são nove juízes que compõem o Tribunal Constitucional, mas a lei interna da Corte permite que a casa conduza deliberações com a presença de, no mínimo, sete juízes. Ou seja, os oito membros atuais — após o presidente interino Choi Sang Mok, em 31 de dezembro, ter nomeado mais duas pessoas — podem deliberar e tomar decisões em processos de impeachment.

Para especialista, defesa de Yoon Suk Yeol quer atrasar processo e evitar impeachment
No entanto, Hak Joo disse que dois dos oito juízes do Tribunal Constitucional devem se aposentar por volta de 18 de abril de 2025. Caso o processo de julgamento atrase, é possível que haja uma “controvérsia” sobre se uma decisão de impeachment pode ser tomada em um sistema composto por seis juízes.
“O presidente e a sua equipe de defesa pretendem atrasar o processo de julgamento de impeachment até 18 de abril de 2025 para, assim, argumentar que ‘a decisão de remover Yoon Suk Yeol não pode ser tomada num sistema de seis juízes’”, explicou.
Por outro lado, o especialista avaliou que o Tribunal Constitucional está “ciente dessa situação” e, nesse sentido, prevê que a Corte decida pelo impeachment de Yoon Suk Yeol, no máximo, até março.
“Na Coreia do Sul, o Tribunal Constitucional é o último bastião que protege a Constituição e a democracia daqueles que querem destruí-la, garantindo os direitos básicos do povo. Na história do país, a democracia sempre foi alcançada e protegida pelos cidadãos comuns. O último guardião da democracia sul-coreana é, no fim das contas, o povo sul-coreano e, mais uma vez, será o povo que protegerá o país da ditadura fascista do presidente Yoon Suk Yeol”, afirmou.

Lee Hak Joo se apresenta como um advogado criminalista e civil que luta pela proteção da democracia e do Estado de direito na Coreia do Sul
Revisão da Constituição
Criada em junho de 1987 por meio de uma emenda constitucional, no fim da ditadura militar e com o estabelecimento da Sexta República, a atual Constituição da Coreia do Sul garante as eleições diretas e os direitos básicos da população.
Embora seja historicamente uma conquista fundamental para a consolidação da democracia sul-coreana, Lee Hak Joo apontou que a Constituição apresenta pontos que precisam ser revisados para evitar novas crises políticas semelhantes ao que a população atualmente enfrenta no país. Segundo ele, ainda existem resquícios da ditadura e o cargo da Presidência segue concentrando poder.
“A Constituição não pôde ser radicalmente modificada, uma vez que o regimento anterior, aplicado durante o mandato do ditador Park Chung Hee, garantia o poder absoluto ao mandatário. Nesse sentido, o estatuto ainda segue concedendo bastante poder ao presidente”, explicou. “Acredito que seja necessário reduzir significativamente a autoridade do presidente, e defendo a criação de regulamentos que fiscalizem possíveis abusos de poder de qualquer chefe de Estado.”
O advogado indicou que o princípio da “divisão de poderes” deve ser posto em prática “de forma adequada” para que seja possível dispersar o poder que a Presidência concentra, além de estabelecer novas cláusulas que permitam controlar o exercício do poder presidencial por meio de uma emenda constitucional.
“É também necessário revisar a Constituição de modo que possibilite os processos criminais por crimes graves, como de abuso de poder e eleitorais. Além disso, uma modificação de forma que se exija uma aprovação prévia da maioria da Assembleia Nacional em caso da necessidade de decretar a lei marcial”, defendeu Hak Joo.