Sexta-feira, 11 de julho de 2025
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Era março em Nova York quando o fotojornalista Adam Gray despertou às seis da manhã para mais um dia comum de trabalho. A pauta: acompanhar um dos pré-candidatos às primárias do Partido Democrata para a prefeitura da cidade. Um nome completamente desconhecido, até mesmo para quem cobre o dia a dia da “cidade que nunca dorme” há quase uma década: Zohran Mamdani.

O jovem de 33 anos, representante do 36º distrito do Queens — uma das regiões mais diversas etnicamente dos Estados Unidos —, poderia facilmente passar despercebido num evento no descolado bairro de Bushwick. Um cara comum, mais um millennial nova-iorquino. Naquele dia, Zohran não discursava em um comício lotado, tampouco era seguido por uma multidão de apoiadores. As fotos dificilmente estampariam uma capa do New York Times. Mesmo assim, o fotojornalista decidiu acompanhá-lo — no metrô, ao lado apenas de um assessor, rumo a Albany para cumprir mais um dia de trabalho como legislador.

Cinco meses depois, aquele político quase invisível é hoje o nomeado candidato democrata à prefeitura de Nova York, favorito na corrida contra os republicanos. A campanha que parecia pequena e improvável acabou surpreendendo a todos — inclusive o repórter que testemunhou, através das lentes, o nascimento de um fenômeno político.

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Os dias de acesso livre a Mamdani deram lugar a longas esperas em frente à sede do National Action Network (NAN), onde ele agora sai pelos fundos, ladeado pelo reverendo Al Sharpton e pelo cineasta ganhador do Oscar, Spike Lee. Uma SUV os espera. Nenhuma palavra à imprensa, apenas o ritual de abrir caminho entre o mar de fotógrafos e desaparecer no carro. Mamdani virou celebridade — a aposta de eleitores cansados dos nomes de sempre, como Andrew Cuomo, e a esperança de um Partido Democrata abalado, que após a vitória de Donald Trump, ainda busca uma nova direção.

Mamdani é favorito na corrida contra os republicanos pela prefeitura de NY
Reprodução / @ZohranKMamdani

Zohan: novo Obama do Partido Democrata?

Um colega jornalista que esteve na festa de comemoração da vitória resumiu, em uma postagem, o que muitos sentem: “Zohran devolveu ao povo a esperança, aquela mesma que se sentia na época de Barack Obama.”

Nascido em Uganda, Zohran Mamdani é filho da premiada cineasta indiana Mira Nair, diretora de obras como Monsoon Wedding — indicado ao Globo de Ouro e vencedor do Leão de Ouro em Veneza —, e do renomado acadêmico Mahmood Mamdani, pesquisador nas áreas de colonialismo, identidade e justiça transicional, com passagens por universidades como Columbia e Makerere, em Uganda.

Zohran carrega duas etiquetas que muitos candidatos tradicionais do Partido Democrata evitariam exibir: é muçulmano e socialista declarado. Nada disso, no entanto, parece ter afastado os eleitores — afinal, nas primárias, apenas membros do próprio partido podem votar. E Mamdani conquistou essa base ao falar com clareza sobre temas que impactam diretamente a vida dos nova-iorquinos: a guerra em Gaza, o avanço das deportações e, acima de tudo, o custo de vida.

Em Nova York, onde 37% da população é formada por imigrantes e muitos rejeitam o envolvimento dos EUA nos conflitos do Oriente Médio, Zohran Mamdani representa uma nova postura política: um político que se opõe às deportações em massa e defende o direito da Palestina de existir, enfrentando temas difíceis com propostas claras.

Uma pesquisa da Siena College de janeiro de 2024 revelou que 53% dos nova-iorquinos se opõem ao envio de ajuda militar e econômica adicional a Israel, enquanto apenas 35% apoiam a medida — reflexo do sentimento de uma cidade diversa que busca vozes que traduzam suas preocupações e desafios.

Sua plataforma é clara e ousada. Ele promete transporte público gratuito, creche universal para todas as crianças de até 5 anos, e controle de aluguéis. Para financiar essas mudanças, propõe a criação de US$ 10 bilhões em nova arrecadação, com aumento de impostos para grandes empresas e os mais ricos do estado. Só a proposta dos ônibus gratuitos, por exemplo, custaria cerca de US$ 900 milhões por ano ao sistema de transportes MTA.

Para Mamdani, isso não é utopia, é necessidade. Como ele disse recentemente: “Não dá pra chamar Nova York de ‘a maior cidade do mundo’ quando grande parte da população não consegue pagar para viver nela.”

Retomar as redes sociais sem esquecer o corpo a corpo

Durante muito tempo dominadas pela direita, as redes sociais começam a se tornar também terreno fértil para campanhas progressistas. Se antes o TikTok era visto apenas como espaço para desinformação, agora ele é compreendido como uma ponte direta entre candidato e eleitor.

Zohran Mamdani soube usar essa linguagem como poucos — produziu conteúdos variados, não teve receio de se expor, buscou engajamento com humor, criatividade e autenticidade e alcançou mais de um milhão de seguidores.

A estética da campanha também chamou atenção. Inspirada no visual dos pôsteres de Bollywood, combinava cores saturadas, como azul-real vibrante com letras amarelo-ocre e sombras vermelho-berrante, e tipografias ornamentadas, parecidas com letreiros pintados à mão em vitrines de mercadinhos e lanchonetes de bairro.

Foi justamente nessas vitrines — e não nos grandes outdoors da cidade — que os cartazes de Mamdani começaram a aparecer.

A identidade visual, ao mesmo tempo excêntrica e familiar, foi criada por uma cooperativa de design baseada na Filadélfia, liderada por Aneesh Bhoopathy. Em entrevista à The Hollywood Reporter, ele contou que, além da influência de Bollywood (uma homenagem direta à origem sul-asiática de Mamdani e a sua mãe cineasta), a estética também bebeu de elementos visuais típicos de Nova York: táxis, bilhetes de metrô, fachadas de bodegas e até raspadinhas de loteria.

“As peças gráficas da campanha de Mamdani não se pareciam com nada da política tradicional — e isso foi proposital”, afirmou Bhoopathy.

Mas o diferencial de Mamdani não ficou só na internet. Apesar da forte presença digital, ele apostou também no tradicional corpo a corpo. Realizou dezenas de comícios por semana, mobilizou centenas de voluntários e encerrou sua campanha com uma caminhada simbólica de 21 quilômetros — partindo do Bronx até o distrito financeiro de Manhattan, cumprimentando nova-iorquinos pelo caminho, apresentando sua proposta com o rosto aberto e os pés na calçada.

‘Esperança é uma disciplina’, afirma Mamdani
Luciana Rosa / Opera Mundi

Mamdani busca novos apoios

O que a New Yorker chamou de “sonho nova-iorquino” ao noticiar a surpreendente vitória de Zohran Mamdani nas primárias democratas ainda está longe de se concretizar.

O veredito final virá em novembro, nas eleições gerais, quando o social-democrata enfrentará o atual prefeito e candidato à reeleição Eric Adams — que deixou o Partido Democrata para concorrer como independente —, acusado pelos conservadores de desviar-se da administração Biden. No campo republicano, estará Curtis Sliwa, fundador do Guardian Angels, que segue firme na disputa mesmo sob pressão do partido para se retirar. Além disso, o campo independente pode incluir o advogado Jim Walden, que se apresenta como alternativa pragmática e antiesquerdista, e há especulações de que Andrew Cuomo possa reentrar na corrida por uma linha própria.

Até lá, Mamdani terá que mostrar que tem “casca-grossa” para resistir à pressão. O próprio presidente Donald Trump já ameaçou prendê-lo caso se oponha aos planos de deportações em massa. Outros aliados de Trump chegaram a sugerir a revogação da cidadania americana de Mamdani — que imigrou de Uganda aos sete anos de idade.

Em busca de alianças para essa nova etapa, Mamdani passou o último sábado no Harlem, onde participou de um comício ao lado do reverendo Al Sharpton, uma das maiores referências da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e presidente da National Action Network (NAN). O objetivo era claro: conquistar o apoio das comunidades negras de Nova York.

Do púlpito da NAN e com uma imagem de Martin Luther King à suas costas, Al Sharpton afirmou que ninguém deveria considerar a comunidade negra como garantida e que nenhuma pessoa sozinha representa esse grupo. Ele ressaltou o compromisso de Mamdani, lembrando que o candidato esteve com eles no último Natal, servindo refeições a pessoas em situação de rua — o único político que ficou o dia todo e não foi embora.

O reverendo explicou que essa postura explica a forte identificação dos jovens com Mamdani, mencionando que seu neto disse: “E na minha própria família, foi meu neto quem me ensinou a dizer Zohran. Então não se sinta mal — talvez seja um bom sinal pra você”, falando sobre o possível estranhamento com o candidato e explicando que ele levou Eu uns seis meses pra aprender a pronunciar Obama direito

Sharpton também destacou o impacto de Mamdani em pautas que a cidade costumava ignorar e elogiou sua equipe, citando Patrick Gaspard, ex-embaixador dos EUA na África do Sul e aliado próximo de Barack Obama, como alguém que ajudou a energizar os jovens eleitores e a trazer novos votantes, forçando a cidade a enfrentar questões até então negligenciadas.

No mesmo evento, Mamdani reafirmou sua mensagem central: a esperança como força transformadora. Citando Martin Luther King, declarou que “agora é a hora” de tornar reais as promessas da democracia para quem não consegue pagar aluguel, transporte ou creche em Nova York.

Reconhecido como o primeiro muçulmano e o primeiro sul-asiático a disputar a prefeitura pela legenda democrata, ele relativizou esses títulos, dizendo que é “apenas um em uma longa linha” de pessoas que abriram caminho antes dele.

Encerrando sua fala, Mamdani resgatou as palavras do ex-prefeito David Dinkins, o primeiro prefeito negro da cidade, destacando que a comunidade votou “com esperança, não com medo”, e que ao fazer isso expressou algo profundo sobre a alma e o caráter de Nova York.

Para Mamdani, essa esperança exige ação diária, pois “a esperança é uma disciplina”, finalizou o candidato, agora oficial, diante da audiência do Harlem e das lentes dos fotojornalistas, entre os quais o repórter Adam Gray, que pegou o metrô junto com ele no começo da campanha.